quarta-feira, 13 de maio de 2020

Silas Malafaia, 1º cavaleiro do apocalipse brasileiro

Silas Malafaia, 1o cavaleiro do apocalipse brasileiro

Fábio Py

Bem-vindos/as ao fim do mundo (Karne Krua)

Neste texto, destaco a atuação de um dos principais agentes da base bolsonarista, o pastor Silas Malafaia, responsável por mobilizar parte do setor cristão conservador e fundamentalista. Diante do crescimento exponencial de mortes e de restrições à liberdade das pessoas, Malafaia se estabelece como um dos maiores articuladores do apocalipse ampliado com a gestão de Bolsonaro. Associar a gestão Bolsonaro ao apocalipse não é um exagero retórico. O teólogo Carlos Mesters (2013) foi quem destacou a possibilidade de vivências apocalípticas em momentos de destruições, tragédias e morte, contextos pródigos de figuras “cavalares” repletas de discursos de ódios. A análise de Mesters (2013) é interessante porque, neste momento “apocalítico”, milhares de cristãos estão hoje lendo e relendo o último livro da Bíblia para se inspirar nos tempos da pandemia do coronavírus, o Covid-19. 
O contexto apocalítico é ainda mais trágico no Brasil diante da gestão Bolsonaro, que utiliza técnicas cristofascistas para ampliar o autoritarismo, ao desrespeitar as instituições democráticas como o Parlamento e o Judiciário. O faz ao se associar a grandes lideranças evangélicas como Silas Malafaia, que se coloca como figura-chave da articulação, propaganda e produção intelectual religiosa de Bolsonaro. Por sua postura, que amplifica o caráter cristofascista do governo, Malafaia merece ser reconhecido como o primeiro cavaleiro do apocalipse brasileiro. Tal título se deve à incansável atuação do evangelista na execução de uma mensagem que se baseia na interpretação literal dos textos bíblicos, resultando em uma teologia autoritária, sedenta do sangue dos pobres, dos velhos e dos doentes. Assim, primeiro, falaremos sobre Malafaia e sua associação ao “cristofascismo brasileiro”.  
Malafaia: agente e cavaleiro do cristofascismo brasileiro 
O cristofascismo brasileiro (Py, 2019; 2020) é uma agenda do Estado brasileiro cerceador, a qual utiliza a linguagem cristã como metodologia para legitimar e ampliar a truculência na repressão aos pobres, negros, índios e heterodoxos. Mesmo não ocupando um cargo oficial no governo Bolsonaro, Silas Malafaia, como evangelista, atua como ponte teológica entre o governo cristofascista e os cristãos por meio dos vídeos e mensagens, a partir das quais justifica a política em termos teológicos e bíblicos. Portanto, sua função é estratégica. 
O cristofascismo no Brasil (Py, 2020 e 2019) precisa de figuras como Malafaia, para auxiliar na tecedura da teologia política opressiva pautada no “ódio à pluralidade democrática”, como destacou o filósofo Rancieré (2014). Destaco que o cristofascismo brasileiro (Py, 2020) é composto por técnicas governamentais de promoção da discriminação, do ódio aos setores heterodoxos, baseado no fundamentalismo cristão. Este cristofascismo, que no apocalipse do coronavírus no Brasil, foi somado à característica antidemocrática do economicismo como justificativa para a “política da morte”, termo cunhado pelo filósofo Mbembe (2014). Nessa política da morte, Malafaia se promove como cavaleiro do estado de sitio embasado biblicamente sua política cujos alvos são os pobres, os mais velhos, os diabéticos e os hipertensos. 
Esse cristofascismo se relaciona com o trabalho de Dorothee Sölle (1970), que usou o termo ao reconhecer que o nazismo era fundamentado tanto por integrantes do partido nazi, que frequentavam igrejas cristãs, quanto ao se utilizar das relações e das terminologias cristãs para sua composição – tal como hoje se faz a teologia política do bolsonarismo. Hitler utilizava jargões cristãos como chaves de seus discursos como o próprio “Conheceis a verdade e a verdade vos libertará” (João 8,32), e “criou Deus, o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou; homem e mulher criou” - para defender a família tradicional cristã alemã. O führer fez conferências em reuniões cristãs (luteranas, católicas e confessantes) e tinha lideranças cristãs no seu governo desenvolvendo o “cristianismo positivo”.
O cristofascismo brasileiro também se vincula ao legado de Walter Benjamin (1940). O filósofo escreve que o fascismo não seria um estágio da civilização, mas estaria contido na própria civilização liberal-burguesa, que produziria “estados de exceção” internamente às gestões. Portanto, a cúpula do governo cristofascista brasileiro se desenha a partir do clima apocalítico da tragédia da doença para aprofundar o ultraliberalismo em medidas pouco humanitárias em favor do setor empresarial, focando na manutenção das empresas, da produção e do capital. Neste enredo, Malafaia tem a função de munir a “guerra dos deuses” na sociedade brasileira por meio da teologia pentecostal incrementando os argumentos de Bolsonaro em prol da política da “permissão das mortes”. Vejamos quatro momentos em que o evangelista fundamenta e/ou desenvolve a política bolsonarista de ódio. 
Primeiro momento
Foto 1

Antes do apocalipse do Covid-19, o cavaleiro participou do evento The Send, ocorrido no sábado, dia 8 de fevereiro, no Estádio “Mané Garrincha”, em Brasília (figura 1). O evento foi um marco para os jovens evangélicos e os projetos missionários no Brasil fundamentalista, contando com várias personalidades cristãs. Quem também falou no evento, no mesmo estádio, foi Bolsonaro. O evangelista/cavaleiro defendeu que os jovens deveriam se manter firmes à convicção cristã, a partir de três textos: o primeiro foi de Romanos 12,2 “não vos conformeis com esse mundo mais transformai-vos pela renovação do vosso entendimento”; o segundo de Mateus 5,16 “Assim resplandeça vossa luz diante dos homens para que vejam as vossas boas obras e glorifique a nosso pai que estas nos céus”; e o terceiro de Filipenses 2, 15 “para que sejais irrepreensíveis filhos de Deus, inculpáveis no meio de uma geração corrupta e perversa na quarta entre eles”. A partir deles, voltou-se à questão do testemunho dos jovens. 
Ao pregar sobre os três textos, reproduzo trechos de seu discurso. No início, apresenta os casos de “jovens muçulmanos, que vão para as universidades, na Europa. Passam lá entre cinco a dez anos e quando voltam para suas nações, voltam mulçumanos, nada muda a crença e os valores deles”. Em tom de acusação, diz: “jovens evangélicos (...) estão indo para as universidades, três meses depois de ouvir professor humanista, ateísta e esquerdopata, voltam contaminados, duvidando de crenças, valores, de Deus, chamando o pastor de fascista e homofóbico”. Dessa forma, transforma o ingresso à universidade e o acesso à pluralidade de ideias numa “guerra cultural”, uma “guerra bíblica” (Py, 2020; Lowy, 2000). Incita que os referenciais de laicidade e de secularização das geografias do Oriente sejam seguidos pelos jovens brasileiros. Com isso, reduz as diferentes pluralidades de crenças dos muçulmanos. Tudo para fundamentar sua “guerra bíblica” contra as universidades brasileiras, docentes e pesquisadores. Coloca-os todos no jargão talibã brasileiro: “humanista, ateísta, e esquerdopata”.   
Ironicamente, segue elogiando os muçulmanos (por ele idealizados como extremistas). Textualmente, afirma: “não abrem mão uma vírgula dos seus princípios”, ao inverso do que acontece “com os jovens evangélicos que vão para a universidade”. O cavaleiro de Bolsonaro ardilosamente tece uma versão da vida de “nós” versus “eles”; “bem” versus “mal”. Nesta operação de inspiração fundamentalista, Malafaia enclausura toda a mensagem da Bíblia, dos Evangelhos e de milhares de textos, em uma. Traça uma operação que simplifica a mensagem cristã, em cima do que chama “verdade bíblica” – ou seja, o que interessa a ele. Opera isso em torno da perigosa dicotomia do “nós” (jovens evangélicos) e o “mundo” - todo o resto de pessoas, os gentios, perdidos. Com sua palavra na formação dos jovens, trama uma complicada “guerra bíblica” entre os evangélicos e o restante da sociedade.    
Segundo momento
Foto 2

 No segundo momento de ação como cavaleiro do apocalipse, já se percebia o alastramento da doença no Brasil, que assistiu perplexo o presidente defender em cadeia nacional o isolamento vertical para o país. Diante da polêmica, Malafaia tratou de defender o presidente ao gravar o vídeo “Concordo com Bolsonaro! O que é pior: coronavírus ou caos social?”, no dia 25 de março (https://www.youtube.com/watch?v=lJX3MTNEZE0). Na gravação, o cavaleiro indicou a quarentena vertical (isto é, para os mais velhos), fundamentando sua posição ao afirmar que na Itália, que até o dia 17 de março tinha registrado milhares de mortes, “somente” haviam falecido cinco homens abaixo dos 50 anos, os quais, segundo Malafaia, tinham doenças anteriores. Tecia, assim, seu apoio a necropolítica de Bolsonaro lembrando que a Itália “é o país na Europa com mais idosos, e o segundo maior do mundo”.
Segue dizendo que existem mais mortos no mundo por fome, por tuberculose, que de coronavírus. Malafaia, cavaleiro do apocalipse cristofascista, fala em tom de alarde do Brasil em que “90% da população ganha aí perto é.... quatro salários mínimos. Não tem dinheiro reserva, nem alimento estocado. Eu fico indignado com esses políticos!”. Mostra com isso que, ao contrário de suas palavras, não está preocupado com a população pobre, mas, com os grandes empresários, prioridades da gestão Bolsonaro que mantêm o patrimônio intacto. Deixa com isso a população pobre e trabalhadora à mercê dos empregos, nem que isso custe a morte supostamente dos mais velhos.          
Portanto, ao fim do vídeo, como fiel cavaleiro de Bolsonaro, retira a reponsabilidade do Executivo ao frisar: “estamos numa escolha de Sofia: o que é pior, coronavírus ou caso social? Eu garanto que é caos social. Vai morrer gente, vai... lamentamos profundamente. Meu desejo é que ninguém morra, mas só um dado para vocês, a gripe influenza, no Brasil, em 2009, matou mais de 2 mil pessoas e mais de 58 mil ficaram infectados (...) a minha oração é que Deus guarde pessoas idosas, as pessoas que têm deficiência em seu organismo e que são vulneráveis a isso”. Assim, o pastor segue a linha de ‘permissão de mortes’, contudo, deixa nas entrelinhas que as mortes são inevitáveis para o país seguir (Mbembe, 2014).  
Terceiro momento
No terceiro momento, destaco como ele, no meio do apocalipse da pandemia, desenvolve uma leitura bíblica Para isso, o vídeo “Decida! Em tempo de coronavírus, medo ou coragem?” do dia 17 de abril, quando retoma algumas reflexões que já vinha desenvolvendo entre março e abril. Abre a mensagem dizendo que “o medo tem o poder de inibir seu potencial, travar o presente, e estragar o futuro. A coragem, não é ausência de medo. O corajoso resiste ao medo, controla o medo”. Nos dias de hoje apela a dicotomia “coragem” / “medo” quando a doença se alastra no país. Fundamenta com o texto de Josué: “Deus vai dar um conselho para ele quando ele estava tremendamente apavorado (...) Deus dá uma palavra para ele, Josué capitulo 1, três vezes (...) Josué: Sê forte e corajoso (...) isto é, controle o medo, domine o medo, não fique desanimado”. Ora, no meio do aumento do número de mortes, Malafaia fala de coragem contra o medo. Quase sugerindo que as pessoas enfrentem a epidemia e não deixem de trabalhar. 
Na sequência, afirma “que a mente resolve acreditar no que repetidamente é informado. Então se você só está alimentando sua mente com desgraça, com morte, com tudo que é ruim, a sua mente vai decidir ter medo”. Força uma linha, sugerindo que o medo é uma questão de opção, quando a pessoa opta em assistir “coisas ruins”. Para isso, sinaliza “para você a colocar coisas boas diante dos seus olhos (...) Veja coisas boas, ouça coisas boas (...) Porque o sábio Salomão diz uma coisa interessante: se te mostrareis frouxo no dia da angústia, a sua força será pequena”. Diante da situação trágica que o país passa, diz que cada uma deve fazer opção por coisas boas, pois assim não será “frouxo no dia da angústia”. O cavaleiro de Bolsonaro assume seu discurso: “Coragem! Vem tempo melhores para você, para sua casa, para o Brasil! No nome de Jesus, um abraço a todos.
Quarto momento
            O cavaleiro do apocalipse cristofascistas, em praticamente todas as pautas, concordou com Bolsonaro. Todavia, na crise política que ocasionou a demissão de Moro, não. A divergência não se referiu às denúncias do ex-ministro da Justiça, mas ao momento em que ocorreu a demissão, no contexto de pandemia. Na sequência, produziu vários vídeos, um a cada acontecimento que afligia a presidência: sobre Moro, sobre a Globo, sobre o STF. Contudo, gostaria de destacar o vídeo do dia três de abril, produzido após o segundo ato em favor Bolsonaro contra o STF e o Congresso, no próprio domingo, dia três (figura 3, 4, e 5), com o título Vergonha! O jornalismo inescrupuloso da Globo Lixo”. Nele, afirma que a Globo pratica um jornalismo politizado contra o presidente. Irascível, diz: “É uma vergonha! Esse jornalismo inescrupuloso e parcial. Quer dizer que a manifestação de hoje, domingo dia 03 é antidemocrática?! É antidemocrática porque rejeita o STF, porque rejeita o Moro?! Só seria democrática se a manifestação fosse para bater, malhar e ser contra o presidente?”. Malafaia, defende a manifestação, mesmo no momento controverso como da pandemia, onde o presidente falou ao lado da filha (fotos 3, 4 e 5), e lotado de faixas contra o STF, contra Rodrigo Maia e pedindo a intervenção militar.  


Foto 3


Foto 4

Foto 5

O cavaleiro de Bolsonaro desconsidera que a manifestação é antidemocrática porque tem cartazes, falas contra os demais poderes que, conjuntamente, mantêm a democracia brasileira. Além disso, acrescenta-se que, na manifestação, um jornalista foi atacado pelos manifestantes. Sobre isso, ameniza com as seguintes palavras: “Botar um monte de ministro do STF para falar porque jornalista foi agredido?”. Desta forma, Malafaia apoia a limitação da liberdade de imprensa, algo que, diante do que vem ocorrendo com o presidente, é aceitável. Fala abertamente que “não concordo com jornalista ser agredido não! Mas a paciência do povo está esgotada! Com o jornalismo parcial, da imprensa brasileira”. Portanto, defende a violência contra a liberdade de expressão, indo absolutamente na mesma linha de Bolsonaro. Ou seja, contra os divergentes, a violência é caminho. Mesmo sendo pastor, assume a radicalização como tática, bem como o “processo de linchamento moral dos divergentes”. Tal como agora, os setores bolsonaristas produzem ira contra seu ex-super ministro Sergio Moro. Portanto, o ódio é a amálgama que dá sentido à gestão cristofascistas brasileira de Bolsonaro, que é envelopado com seu pastor carregado por ódio.   
O fim, porvir...
Além do ódio e das violências que salpicam no discurso conta os diferentes, Malafaia, com a Bíblia na mão, busca consolar a base social cristã imaginando um futuro diante do presente pandêmico. Assim, na mensagem do dia 28 de abril de 2020, (https://www.youtube.com/watch?v=BV3zicvmSJ4) fez a oração com sua mulher: “escuta nosso clamor, nosso pai, (...) Jeová fará, o senhor da saúde, esteja na sua vida, na sua casa, nós repreendemos o mal, as enfermidades, sê curado agora! (...) Viveremos dias de prosperidade após esses, eu creio! Sejam envergonhados profetas do caos! O Brasil é do Senhor Jesus!”. É que diante do horror dos “últimos dias”, Malafaia, de forma semelhante aos apocalipses, trata a esperança de um novo tempo, de novos dias. Utiliza o mesmo recurso dos judeus e cristãos do primeiro século, imaginando a vida além das guerras e mortes ante o Império Romano. Eles pensaram em novos dias, de “novo céu e novas terras”, diante da fome e das guerras. Agora, é uma pena que nem em algo tão simbólico e singelo, Silas Malafaia não abra mão da lógica mercadológica. Repete a ladainha da prosperidade. Sim, é uma forma dele, e do secto, buscarem manter a lógica que causou a pandemia. Não codificaram que a lógica mudou, e que as relações religiosas devem ser revistas. Faço voto de que as igrejas digam menos de prosperidade e falem mais da vida em abundância que se tem ao repartir o pão com irmãos e irmãs.

Bibliografia:
BENJAMIN, Walter. “Teses sobre o conceito de história”, 1940.
LOWY, Michael. A guerra dos deuses, Petrópolis: Vozes 2000.
MBEMBE, A. Crítica da razão negra. São Paulo: Antigona, 2014.
MESTERS, C. A esperança de um povo que luta. São Paulo: Paulus, 2013.
PY, Fábio. A cristologia cristofascista de Jair Bolsonaro, São Paulo: Carta Maior, 2019. Acessado em: https://www.cartacapital.com.br/opiniao/a-cristologia-cristofascista-de-jair-bolsonaro/.
PY, Fábio. Cristofascismo de Bolsonaro em 7atos. São Paulo: The Intercept, 2020. Acessado em: https://theintercept.com/2020/05/01/cristofascismo-bolsonaro-pascoa/.

RANCIERÉ, Jacques. Ódio a democracia. São Paulo: Boitempo Editorial, 2014.

SOLLE, Dorothee. Beyond Mere Obedience: Reflections on a Christian Ethic for the Future, Minneapolis: Augsburg Publishing House, 1970.

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