terça-feira, 3 de novembro de 2020

Entrevista - O que esperar da vitória de Biden ou Trump na eleição presidencial dos EUA? – Parte II

 Entrevista - O que esperar da vitória de Biden ou Trump na eleição presidencial dos EUA? – Parte II *

 

Aluysio Abreu Barbosa


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A frase já virou lugar comum. Após atravessar o rio Rubicão com suas legiões, para pôr fim à República de Roma, Júlio César vaticinou: “A sorte está lançada”. Com o mundo observando, como talvez nunca tenha feito e dificilmente voltará a fazer, os dados param de girar nesta terça (03) nas urnas dos EUA. E determinarão seu próximo presidente e os rumos da humanidade. Para entender o que está em jogo e o que mudará, a depender da escolha do complexo colégio eleitoral estadunidense entre o presidente republicano Donald Trump e o candidato democrata Joe Biden, tão favorito nas pesquisas como foi a derrotada Hillary Clinton em 2016, o blog ouviu o historiador Arthur Soffiati, o cientista político e sociólogo George Gomes Coutinho e o sociólogo Roberto Dutra. Os dois primeiros, professores da UFF-Campos, o terceiro da Uenf. Eles analisaram o que pode acontecer, caso Trump ou Biden ganhem a eleição. E como isso deve afetar, além do mundo em que a China também acena como superpotência, o Brasil de Jair Messias Bolsonaro.

 

 

Opiniões – Os EUA são o único país do mundo que elege seus governos de quatro em quatro anos, desde 1789. Tradição que mantiveram mesmo quando Washington foi incendiada pelos britânicos na Guerra de 1812, na divisão fraticida do país na Guerra de Secessão (1861/1865), nas I e II Guerras Mundiais (1914/1918 e 1939/1945), Guerra da Coréia (1950/1953), do Vietnã (1955/1975), nas duas Guerras do Golfo (1990/1991 e 2003/2011) e na do Afeganistão (2001 até hoje). Não são provas de fogo demais para uma democracia temer por Trump? Por quê?

 

Arthur – Por esse aspecto, a República dos Estados Unidos é notável: teve apenas uma Constituição com emendas, enquanto o Brasil teve sete, também com emendas e nem sempre resultantes de assembleias constituintes livres e populares. Idem para o Chile, que acaba de dar um bom exemplo. Os Estados Unidos também repeliram historicamente golpes de Estado. Mas a democracia dos Estados Unidos não é plena por conta da eleição indireta. Nem sempre que ganha nas urnas se elege. O colégio eleitoral foi criado para evitar o governo de aventureiros e acabou elegendo um. Confesso que vejo em Trump uma ameaça muito grande à democracia dos Estados Unidos. Ele já vem manchando a Constituição sem precisar rasgá-la. Vejamos o caso da indicação de uma juíza conservadora já empossada como mais um trunfo para sua reeleição. E o tempo todo ele põe à prova a Constituição do país. Estaríamos, então, vivendo uma distopia.

 

George – O ponto fora da curva na história norte-americana na conjuntura Trump é justamente o questionamento da legitimidade tanto do rito periódico eleitoral de sucessão de governantes quanto das instituições em si. Parte do eleitorado mais radical de Trump o projetou justamente por seu discurso de quebra do establishment. E por establishment me refiro a tudo o que eu comentei anteriormente. Establishment pode ser substituído por Estado de Direito. A democracia representativa é um regime fascinante justamente por promover periodicamente a possibilidade de circulação de elites políticas no poder sem que a violência seja ingrediente desejável a participar do jogo. Para tanto, aceitar resultados, seja você o ganhador ou perdedor, é componente fundamental para manter o jogo sucessório. Por tudo isso ironicamente ter um homem que é também establishment, branco, rico, empresário, que se apresenta como a “negação de tudo que está aí”, o que deve ser traduzido como um agente pouco afeito às regras do jogo, é preocupante. Trump tem um potencial incendiário importante e conta com uma base social mobilizada, radical, fiel e violenta.

 

Roberto – Não acho que Trump seja a principal ameaça a democracia dos EUA. Ele é muito mais o resultado da principal ameaça: a crise programática decorrente da adesão dos progressistas ao programa econômico das elites financeiras e rentistas. No período entre o começo da II Guerra Mundial e meados de década de 1970, os americanos vivenciaram, apesar de todos os problemas e conflitos externos e internos, processo de ampliação e melhoria das oportunidades de inclusão social e econômica. Isso criou, para as pessoas comuns, um horizonte dominante de esperança na melhoria de vida e garantiu as condições sociais da democracia, que hoje estão se diluindo. Trump é uma ameaça adicional, mas que se alimenta de uma ameaça perene e mais forte, indicada especialmente pelo colapso do horizonte de mobilidade social para a maioria dos americanos.


Opiniões – Acusado por Trump de “socialista”, Biden sempre foi um moderado em seus 47 anos de vida política. A despeito de ter feito promessas bem progressistas nesta campanha presidencial, como taxar as grandes fortunas para custear a assistência social aos mais pobres e impor um salário mínimo de US$ 15/hora nos EUA. Como entender os liberais como a esquerda dos EUA, quando a ótica latino-americana sempre coloca os liberais à direita?

                               

Arthur – Nos Estados Unidos, o ponto de referência para as tendências políticas é muito particular. O que lá se entende por esquerda, na França, por exemplo, não passa de liberalismo. Existe um partido comunista nos Estados Unidos, mas ele não tem o mínimo peso político-eleitoral. Acusar Biden de comunista é uma arma de retórica que pode causar algum estrago. O próprio Biden se saiu bem no debate ao dizer que ele derrotou as tendências mais progressistas e que a sua posição é centrista. Talvez até demais e já comprovada ao longo da sua vida política. Quanto a taxar fortunas, é um desafio para Biden, muito embora já exista um movimento de milionários mal vistos pela sua ambição pedindo taxação sobre suas fortunas.

 

George – A história das ideias políticas é caprichosa. O repertório político ocidental, seja este liberal, socialista, social-democrata, conservador, etc, não se move no vácuo. Estas tradições do pensamento político são recepcionadas e aclimatadas em estados nacionais concretos, dotados de uma cultura política concreta, tendo efeitos e interpretações para além dos seus locais de nascimento e de suas expressões “puras”. Desta maneira faz sentido dizermos que há um “liberalismo norte-americano” ou uma recepção particular do ideário liberal. No campo da história política dos EUA a atual configuração nos remete aos anos 1960 onde os democratas vestiram a camisa da luta pelos direitos civis. Isto faz com que os membros deste partido, na média, tenham uma faceta social acrescida da mescla com princípios de liberalismo político, onde há a forte defesa dos direitos civis, com liberalismo econômico, a firme defesa da economia de mercado. O que os coloca na esquerda da política por lá é o sentido relacional da classificação esquerda/direita: os republicanos são muito mais resistentes a mudarem os fundamentos da cultura política e jurídica dos EUA. Os republicanos, em termos relativos, estão mais do lado direito do espectro político. O debate sobre armas, por exemplo, conta com um consenso mais ou menos compartilhado entre os democratas sobre a necessidade de maior regulação. Os republicanos são infinitamente mais conservadores neste tema e em outros tantos… E sobre isso falamos “na média”. Dado o bipartidarismo, onde há dois únicos partidos competitivos nacionalmente, estes, até por falta de outras opções, acabam agregando uma diversidade política concreta. Pode ocorrer agentes como Sanders, muito próximo de uma socialdemocracia clássica, ou até mesmo republicanos que flertam perigosamente com a KKK, supremacismo branco, etc. De maneira ou de outra definitivamente “esquerda” e “direita” têm significações no contexto norte-americano que não cabem necessariamente para o resto do mundo.

 

Roberto – Nos EUA ser liberal é sinônimo de ser progressista. Em termos de conteúdo, as políticas keynesianas e social-democratas do século XX foram sempre identificadas como liberais, o que indica que lá o liberalismo era mais político que econômico. Outro fator importante é que o termo socialista sempre foi impopular nos EUA, embora hoje menos. Na América Latina, o liberalismo foi predominantemente econômico, se aliando a tendências e regimes autoritários com muita facilidade.

 

Opiniões – Os governos do PT no Brasil foram considerados progressistas, assim como o governo Obama nos EUA. E, a despeito da grande popularidade que chegaram a alcançar, eles foram sucedidos no voto por governos de espectro político no extremo oposto. Considerada a diferença do impeachment aqui, como o PT de Lula e Dilma e os Democratas de Obama contribuíram nas ascensões respectivas de Trump e Jair Bolsonaro (sem partido)? 

 

Arthur – Não tenho dúvidas de que o PT contribuiu para colocar Bolsonaro no governo, mesmo que de forma indireta e sem intenção. O PT não conseguiu sequer unir os progressistas. Pelo contrário, as vaidades partidárias e pessoais levaram o PT a acreditar que tinha o monopólio das esquerdas e a liderança delas. Quanto aos Estados Unidos, entendo que Obama fez um bom governo em termos de política interna e externa, com os excessos típicos do país. Teve boa atuação na questão ambiental. Revelou-se um grande estadista. Mas Trump acordou forças sombrias que sempre existiram no país. Elas engoliram Hilary e o elegeram. Creio que o globalismo de Obama contribuiu para os discursos de Trump em favor do América first.

 

George – Se podemos falar em colaboração devemos falar de colaboração indireta ou involuntária. Digo isso pelo seguinte: os eleitores decidem em democracias representativas. Eles têm uma média de preferências que variam nas conjunturas daquilo que consideram mais adequado para aquele momento. A questão é que todo e qualquer grupo político no poder pode sofrer de “fadiga de material” com o passar do tempo, o que pode ter sido o caso dos democratas e dos petistas, além de erros cometidos pelas gestões. Erros estes cometidos por governos passados e pelos que virão. Também a percepção do eleitor comum de deterioração das condições de bem-estar naquela sociedade indica o rechaço ao que podemos chamar de situação e a aposta em grupos que estejam na oposição. Em momentos mais radicais a aposta em grupos opositores pode redundar até mesmo nos outsiders. Note que na minha resposta falo propositalmente em “percepção”, algo não infrequentemente equivocado, distorcido, etc. Portanto, pasmem, o eleitorado tanto pode acertar quando errar em suas decisões. E não raro pode ser induzido ao erro.

 

Roberto – O PT e os Democratas têm em comum a rendição ao programa econômico de seus adversários. Trata-se de uma crise programática que afeta partidos e organizações de esquerda em vários países, inclusive na Europa. A esquerda promoveu o apagamento e moderação das principais diferenças na esfera da política econômica. Ao se render ao neoliberalismo, a esquerda abdicou das condições para juntar politicamente as classes médias e as classes populares. Na prática, o PT e os Democratas desconectaram as agendas da inclusão social e da redistribuição de renda da agenda da mudança da política econômica, combinando política identitária para minorias, política compensatória de transferência monetária para os pobres e política regulatória de serviços privados de educação e saúde para a classe média, ao preço de executar e ampliar a política rentista das oligarquias financeiras. Este caminho destruiu os horizontes de oportunidades econômicas e mobilidade social ascendente para as maiorias e contribuiu para a ascensão da extrema-direita que soube instrumentalizar politicamente a frustração social.

 

Opiniões – Negacionismo científico, flerte com o racismo, a misoginia e a homofobia, aliança com os neopentecostais no limite do estado laico, armamentismo entre civis, anticomunismo generalizado a qualquer adversário ou crítico, guerra contra a imprensa, a intelectualidade e classe artística, governar em eterno modo campanha, com disseminação de fake news nas redes sociais para insuflar suas bases mais radicais. A caixa de Pandora aberta por Trump em 2016, clonada no Brasil em 2018, ficará mais próxima do fim se ele não se reeleger?

 

Arthur – Do fim, não creio. Nos Estados Unidos, a caixa de Pandora parece aberta desde a independência. Embora todos os males tenham saído dela, eles não conseguem sempre se concentrar para se tornar uma ameaça à democracia. Mas quando os guetos fundamentalistas encontram um gênio do mal, eles mostram sua garra. Nenhum presidente, por mais progressista que tenha sido, conseguiu controlar a indústria das armas. Elas representam uma faceta forte da cultura do país. Essas forças macabras continuarão existindo, mas não vão se expressar com a mesma liberdade no desejado governo Biden, pois não serão estimuladas. Espero que essas forças sombrias sejam contidas, pois um país não pode viver em clima de ódio constante.

 

George – Sendo bastante sincero eu antevejo algum tipo de retraimento desta lata de lixo semiótica que você narra em sua pergunta. Mas, retraimento não significa o fim. O que precisamos com urgência em nossas sociedades, tanto lá quanto cá, é algum tipo de reorientação da opinião pública e o firme compromisso com o enfrentamento sem tréguas de todo tipo de obscurantismo que rebaixa o nível das narrativas em disputa. Isto a despeito de esquerda ou direita. É preciso uma frente ampla que recoloque o debate público na direção do avanço civilizatório e em prol da democracia. Estamos retrocedendo com a pelada de várzea que se tornou a nossa discussão pública onde as grandes questões, as decisivas, estão soterradas pelo que há de mais abjeto aqui ou nos EUA. E por abjeto incluo o comportamento público de muitas das autoridades na ativa.

 

Roberto – A derrota de Trump pode tornar mais próximo o fim dessa caixa de Pandora no mundo todo, mas as frustrações sociais que alimentam a política e a guerra cultural de extrema-direita continuam determinantes, em cada país que vivenciou ou é ameaçado pela ascensão da extrema-direita, mesmo com eventual derrota do bufão norte-americano. O efeito de uma possível derrota de Trump vai depender da situação social e política de cada país. No Brasil, por exemplo, vai depender da capacidade governativa de Bolsonaro em promover a recuperação da economia, o que parece cada vez mais improvável.

 

Opiniões – Com uma Europa e seus Partidos Verdes cada vez mais fortes, a “boiada” do ministro brasileiro Ricardo Salles “passando” nas queimadas na Amazônia e no Pantanal parece não ter mais vez. Com a China, após as restrições até à vacina contra a Covid em parceria com o Butantan, para salvar vidas de brasileiros, as coisas também não andam bem. Se Biden se eleger nos EUA, o Brasil de Bolsonaro se torna de vez um pária mundial? Por outro lado, e se Trump vencer, o presidente brasileiro ganha força na sua reeleição em 2022?

 

Arthur – Parece que o Brasil de Bolsonaro deseja ser pária. Jornalistas disseram que a vitória de Biden representará a queda de Ernesto Araújo e de Ricardo Salles. Eles fazem parte do núcleo ideológico, agora mais enfraquecido. Tem havido muita pressão interna e externa para enquadrar o governo de Bolsonaro, mas ele tem se mostrado recalcitrante. É de pasmar um governo tão retrógrado como o dele. Não houve um regresso de duzentos anos. Afinal, D. Pedro II tinhas ideias progressistas e gostava da ciência, embora vivendo um contexto escravagista. Bolsonaro vive num lugar que não existe fora dos seus fãs. Foram poucos os presidentes progressistas no Brasil, mas Bolsonaro vive num casulo fora do mundo. Tem e não tem vida própria. Fala para seus eleitores e sobrevive com apoio de Trump. Se este perder, Bolsonaro deve perder também em 2022. Não se pode esperar nada digno de um estadista da parte dele. Apenas que não se reeleja.

 

George – A tradição da política externa brasileira era de relativa independência aos movimentos do sistema internacional, algo absolutamente funcional para as ambições de um país na periferia do capitalismo que precisa de uma balança comercial favorável tanto quanto o ser humano precisa de oxigênio. Ernesto Araújo em seu famoso artigo “Trump e o Ocidente”, texto que mescla devoção quase religiosa e delírio geopolítico, já prenunciava um encaminhamento absolutamente acrítico do Itamaraty chefiado pelo atual chanceler. Saímos do pragmatismo independente para um alinhamento automático com os EUA que atinge os píncaros do constrangimento. Sendo Biden qualquer coisa menos um “Novo Templário” capaz de salvar o Ocidente, imagem que talvez passe na inventiva mente de Araújo, com certeza teremos uma política externa que precisará se reinventar. Confio na capacidade dos quadros altamente qualificados do Itamaraty nessa missão. Não será fácil reestabelecer diretrizes e até mesmo dignidade para nossa política externa. Mas, não é tarefa impossível. Sobre Bolsonaro, na hipótese Biden, a mudança de tom “para fora” será automática. Transitará entre o cômico e o ridículo. Com Trump sendo reeleito a sabujice seguirá a despeito dos interesses brasileiros.

 

Roberto – Como Bolsonaro vinculou seu governo muito fortemente ao de Trump, inclusive na insana briga com China, uma derrota do presidente dos EUA é um baque muito forte para o brasileiro. Pode ter impactos negativos concretos sobre o Brasil e com isso fragilizar ainda mais Bolsonaro, inclusive porque Biden parece não eleger a China como principal inimiga. Uma vitória de Trump, ao contrário, provavelmente teria impactos positivos de pouca concretude. Seria apenas um problema a menos para sua reeleição em 2022. Mas não resolve os principais impasses de seu governo que comprometem suas perspectivas de reeleição.

 

Opiniões – Ninguém mais parece duvidar que a China tende a se tornar a principal potência econômica do mundo. Mas pelo poder bélico e cultural, além do econômico, os EUA ainda são e serão por algum tempo o mais próximo ao Ocidente do Império Romano na Antiguidade. Em que esta condição pode ser reforçada ou abreviada pela vitória de Biden ou Trump? Como analisa o fato de nenhum dos dois prometer armistício na guerra comercial com Pequim?

 

Arthur – Em termos de equilíbrio bipolar, a China substituiu a URSS com uma diferença: trata-se de uma potência capitalista com uma ditadura de partido único que se intitula comunista. Mas os marxistas não entendem esse governo como marxista. A China se tornou uma potência econômica e política sem caráter proselitista. Não há mais como ignorá-la. Não cabe mais colocá-la como bode expiatório. Não é mais possível excluir a China. Trump a colocou como inimigo número 1 dos Estados Unidos. Não convém a Biden, nesse momento, declarar que vai manter boas relações com a China, mas, se eleito, creio que relaxará as tensões entre os dois países, ao mesmo tempo restabelecendo a Parceria Transpacífica. Se Trump fosse verdadeiramente anti-chinês, não teria desfeito este acordo nem mantido uma conta em banco da China.

 

George – Eis uma questão curiosa. Muito curiosa. Enfrentar a influência crescente da China é o ponto de consenso entre republicanos e democratas. A despeito das ambiguidades concretas da relação China e EUA, a potência no Oriente coloca em risco as ambições imperiais dos norte-americanos. Mesmo que seja algo indisfarçável o quantitativo de empresas e capital norte-americanos atuando na China neste momento, o que gera uma simbiose entre as duas potências muito mais profunda do que qualquer retórica eleitoral poderia ser capaz de admitir. Ao mesmo tempo, tal como você coloca, há o “problema geopolítico”. A influência chinesa, a despeito da simbiose que citei, já é algo incontrolável há bastante tempo, justamente fazendo com que o grande dragão do Oriente perigosamente continue se movimentando e fazendo um tipo de movimento que os EUA não fazem: disposição e dinheiro para investir em infraestrutura nos países em desenvolvimento. Penso que poderemos ver a continuidade da disputa entre as duas potências. Mas, ao menos há a possibilidade da redução do barulho, do ruído discursivo se Biden for o vencedor da disputa pela Casa Branca. No caso de Trump reeleito, a gritaria enquanto performance se mantém, ignorando as ambiguidades concretas que indiquei há pouco nas relações econômicas entre os dois países.

 

Roberto – Gostando ou não, a China promove um projeto de desenvolvimento nacional que difunde ganhos de produtividade por quase os setores da economia. A superioridade bélica e a hegemonia cultural dos EUA não parecem ser suficientes para superar um concorrente que é superior em economia política. Apenas uma reorientação radical da economia americana, que rompa com o rentismo e democratize os ganhos de produtividade restritos à vanguarda da economia do conhecimento, seria capaz de mudar a tendência de a China se tornar e permanecer a maior potência econômica mundial. A vitória de Biden ou Trump fará alguma diferença se um ou outro for capaz de promover esta reorientação. O fato de nenhum dos dois sinalizar o fim da guerra comercial indica que ambos não possuem uma estratégia econômica para os EUA, o que os leva a atribuir as dificuldades da economia norte-americana apenas ao comércio injusto com a China.


* Publicado originalmente no blog Opiniões dirigido pelo jornalista Aluysio Abreu Barbosa. Link do post original da entrevista: http://opinioes.folha1.com.br/2020/11/01/o-que-esperar-da-vitoria-de-biden-ou-trump-na-eleicao-presidencial-dos-eua/, acesso em 02 de nov. 2020.


** Disponível em: https://www.latimes.com/politics/story/2020-10-28/biden-trump-bloomberg-television-advertising-battleground-states, acesso em 02 de nov. 2020.

 

 

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