É hora de balançar o galho*
Luis Felipe Miguel**
Não
tem por que permanecer neste estado de pré-golpe até 2022. As manifestações de
ontem marcam o enfraquecimento de Bolsonaro. Ele está maduro para cair.
Ele
reuniu muita gente? Sim. Mas muito menos do que esperava, tamanho o
investimento na preparação dos atos. E muito menos do que era necessário para
dar gás a um novo golpe.
As
estimativas mais confiáveis dão conta de umas 100 mil pessoas em Brasília e um
pouco mais do que isso em São Paulo. Bolsonaro contava com dez vezes mais gente
para se cacifar.
Isto
precipita o afastamento do Centrão. Ninguém quer ser sócio de uma tentativa de
golpe fadada ao fracasso.
Mais
ainda: Bolsonaro decepcionou sua base. Ele prometeu ação e só ofereceu mais
palavras ao vento.
A
persona política de Bolsonaro está se deslocando. O machão intrépido que
desafiava "o sistema" é agora a eterna vítima, se lamuriando das
maldades que fazem com ele, incapaz de reagir.
Bolsonaro
xinga os outros e se apieda de si mesmo. Relatos das cloacas da extrema-direita
dão conta de que a decepção com ele é crescente.
Em
suma, Bolsonaro não consegue azeitar sua milícia política. O bolsonarismo faz
um barulho feio nas redes sociais, mezzo gado, mezzo robots, e passa vexame nas
ruas, vestido com a bandeira e ostentando placas com impagáveis erros
gramaticais - bilíngues, em português e em inglês, que mico pouco é bobagem.
Mas
causar convulsão social? Dar bengaladas a esmo e quebrar tudo? Só nos sonhos do
genocida, e olhe lá.
Isto
está cada vez menos crível, mesmo para eles.
Se
as famosas "instituições" quiserem, é a hora de balançar o galho. A
hora de derrubar Bolsonaro e prendê-lo, junto com meia dúzia de outros
criminosos de sua entourage.
Não
faltam motivos, nem caminhos para fazê-lo. Impeachment, afastamento por crime
comum, cassação da chapa, sem falar em soluções mais criativas (nem por isso
ilegítimas).
Sua
inaptidão para o cargo já está mais do que comprovada. Seu comportamento
delinquente, também.
Embora
ciente de que a cartada de ontem não funcionou, Bolsonaro sabe que já
ultrapassou o ponto de não retorno. Seu único caminho é aprofundar as ameaças e
bravatas.
Por
isso, a hora de atingi-lo é agora. Antes que, como o animal ferido da metáfora
óbvia, ele busque uma saída desesperada.
Bolsonaro
destituído e na cadeia, além de ser uma questão de justiça, acalmaria o país.
Porque
este é um ponto: a ameaça de que sua base radicalizada se rebele está cada vez
menos crível.
Os
bolsonaristas colocariam o rabo entre as pernas e iriam chorar suas mágoas em
casa. Claro que depois a gente teria que lidar com eles, mas o país não pegaria
fogo.
Assumiria
um fascistão que não é burro e sabe que é obrigado a se fazer de civilizado. O
exemplo de Bolsonaro inibiria, ao menos por um tempo, outras intentonas.
A
direita teria uma chance de encontrar sua lendária "terceira via", o
que é um bom estímulo para que ela embarque na ideia de derrubar Bolsonaro.
As
eleições ocorreriam em 2022, sem maiores sobressaltos, com a mídia e o poder
econômico fazendo o possível para definir o resultado - como sempre.
Tirar
Bolsonaro do cargo não resolve nossos problemas. Mas permite que nós os
enfrentemos.
* Texto
republicado com autorização do autor. Post original disponível na página
pessoal do autor no Facebook: https://www.facebook.com/luisfelipemiguel.unb
** Professor titular livre do Instituto de Ciência Política da Universidade de
Brasília. Coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades (Demodê). É
autor de "Democracia e representação: territórios em disputa" (Editora Unesp,
2014), "Dominação e resistência" (Boitempo, 2018), dentre outros.
*** Imagem Revista Veja. Disponível em:
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