domingo, 12 de março de 2017

Diniz e seu entorno

Diniz e seu entorno *

George Gomes Coutinho **

Passaram-se pouco mais de dois meses do início efetivo do governo de Rafael Diniz na Prefeitura de Campos dos Goytacazes. Não seria justo ousar qualquer avaliação com pretensões definitivas diante de um lapso temporal tão curto. Afinal, mantendo as condições de temperatura e pressão, o governo está apenas em seu início.

Contudo, irei arriscar uma questão bastante incômoda.  A despeito das motivações que movem o eleitorado no processo eleitoral, em muitos casos vejo certa hipertrofia de expectativas quanto ao rito em si. Eleições periódicas, o grande rito de seleção de governantes da democracia representativa, nem sempre redundam na reinvenção das bases estruturais de uma dada sociedade a despeito da escala. Na verdade, em muitos casos as mudanças quando ocorrem se dão de maneira paulatina e até mesmo em direção contrária do que a própria sociedade está habituada a ser, viver, praticar e pensar. Por isso, suponho, as tentações autoritárias dos golpes de Estado se apresentem com tanta freqüência. E mesmo golpes de Estado ou até revoluções não produziram no século XX a reinvenção da “sintonia fina”, sutil, quase inconsciente, das sociedades que experimentaram estas soluções.

Advirto que não estou abdicando das possibilidades da política. Apenas estou apontando limites da relação entre o sistema político e a sociedade em si.

Prosseguindo, para pensarmos as dificuldades do governo Diniz, sugiro olhar para o seu entorno, ou seja, a própria sociedade local. Esta detém uma gramática profunda a qual já fiz menção neste espaço em outra ocasião: o clientelismo. Oras, decerto Garotinho e herdeiros utilizaram desta gramática de forma hábil. Contudo, utilizar-se do clientelismo não quer dizer que os usuários o inventaram. Da mesma maneira, para além da classe política, diversos grupos e indivíduos desta mesma sociedade se beneficiaram. Campos mantém uma histórica ineficiência na redistribuição de recursos materiais e simbólicos o que faz do clientelismo um sintoma de sua abissal desigualdade estrutural. Por essa razão, para além de questões estritamente institucionais, afirmo que o maior desafio de Diniz é a sociedade que o elegeu.  

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 11 de março de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

6 comentários:

  1. Olha, George, seu texto está, como sempre, muito bom...

    Algumas considerações:

    É preciso definir "clientelismo", porque afinal, toda a ação política per si é de clientelismo, se olhada lato sensu...

    Votamos em busca da satisfação de expectativas, embora como seu texto bem disse, essas expectativas e as mudanças nem sempre ocorram com a mera celebração eleitoral.

    Então, mais grave que o suposto "clientelismo" é, a meu ver, a seletividade da clientela.

    E nesse quesito, mais do que dizer que o problema do pequeno-führer é quem o elegeu (de certa forma esse raciocínio está em parte correto, inclusive já debatemos isso), é preciso dizer que esse (des) governo têm em sua gênese o atendimento de uma clientela específica...

    Então, se você tem o cuidado de não arriscar a avaliar o governo pelo seu pouco tempo, o que eu posso até concordar, me espanta que você não tenha feito nenhuma menção a natureza precípua do projeto (ou falta de) que o elegeu, bem como todas as circunstâncias que estão no entorno...

    Ou seja:

    Se há uma árvore de abacates, pode-se esperar se teremos abacates ou não.

    Mas nunca nascerá dali laranjas.

    O problema desse governo é a sua natureza: golpista e coxinha.

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    1. Querido Douglas,

      Antes de qualquer resposta, fico contente pelo seu interesse e envaidecido pela generosidade de suas palavras. Muito obrigado pelo retorno crítico!

      Agora vou tentar responder a alguns pontos... Irei fatiar está bem?

      1) Clientelismo é um conceito importante entre nós... Recomendo enfaticamente a leitura deste artigo do grande Zé Murilo de Carvalho: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0011-52581997000200003 Ele faz uma retomada abrangente, elegante e eficiente do conceito. É dele que parto para definir o clientelismo como barganha entre agentes nitidamente assimétricos onde uma das partes oferta benefícios públicos em troca de algo (pode ser lealdade, bens materiais concretos, etc..).

      2) Vc está absolutamente correto.. O clientelismo ocorre em todas as sociedades democráticas. O problema, e é isso que meu texto tentou abordar, é a extensão, a profundidade do fenômeno em uma dada sociedade. Campos é uma sociedade estruturalmente desigual e por esta razão vejo o clientelismo como gramática poderosa entre nós. Pessoalmente creio que sem o enfrentamento do problema redistributivo dificilmente o clientelismo deixará de ser um elemento estabilizador do sistema. Ainda, sem a solução da questão redistributiva, nenhum governo local conseguirá se desvencilhar do clientelismo como prática....

      3) Concordo plenamente com a questão seletiva da atuação clientelista. Nem poderia ser diferente.... Se falamos de uma sociedade desigual, oras, não daria para contemplar todos os grupos com os benefícios do clientelismo. Mas, por outro lado, isso explica as pressões clientelistas da classe média local sobre o governo local atual... Garotinho teve seus críticos e descontentes e nem sempre estes são dotados de profundas convicções republicanas. Estes grupos alijados e desprestigiados por Garotinho obviamente voaram no pescoço do governo Diniz...

      4) Minha leitura foi propositalmente "não institucionalista". Ou seja, não discuti o design do governo e mirei no "ambiente".. Por ambiente deve-se entender a própria sociedade. Particularmente ainda não reuni elementos suficientes para pensar o governo Diniz... Na verdade, eu estou achando tudo ainda muito confuso. Só li o plano de gestão do governo na época das eleições e nada mais. Me pareceu um pouco genérico e com poucos dados concretos sobre a própria sociedade q se pretende intervir. Enfim, por tudo isso, prefiro esperar um pouco mais antes de fazer uma abordagem institucionalista do governo.

      5) Fica a máxima hegeliana onde se defende que a coruja de Minerva só levanta vôo no anoitecer. Ou seja, sempre lembro do Boaventura de Souza que dizia que nós sociólogos somos excelentes em "prever o passado" (risos). Por isso, só vou me meter de fato na questão do governo Diniz ex post facto e com os elementos que permitam uma interpretação mais substantiva. É a minha postura.

      É isso meu camarada... apareça sempre que quiser e estamos nos devendo um papo no boteco.

      Abçs

      George

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  2. Caro George, perdoe minha insistência n tema, mas a definição de Zé Murilo de Carvalho não é muito diferente da sua, até porque, tens tanta qualidade quanto ele...

    Em um sistema representativo, todos os atores são, via de regra assimétricos, aliás, outro excelente pensador e intelectual coloca essa questão muito bem, o Luis Felipe Miguel, senão me engano, da UnB...

    Ele nos diz que um dos limites atuais (e perenes) da ideia de democracia representativa, ainda mais em modelos como o nosso, colocados em territórios extensos como o Brasil, é a criação de um distanciamento (uma assimetria, como você prefere) entre outorgantes (eleitores) e outorgados (eleitos), e isso assume diversas formas nas relações políticas institucionais e repercute também na paralisia ou imobilismo dos movimentos sociais (esse trecho é contribuição minha)...

    Então, de certa forma, o que eu disse é que toda democracia representativa será sempre uma forma de atender a "clientes"...Ainda que a demanda deles possam estar sob roupagens mais imediatas ou mediatas...

    Sua "escorregada" sobre a natureza do governo eu já previa (e fiz apenas uma provocação)...

    Mas, mal comparando, é como esperar de um governo eleito do psdb ou de dória (SP) algo de bom...mas se você insiste, ok...

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    1. Salve Salve meu camarada,

      Poxa.... que o Zé Murilo não te ouça (risos).

      Sobre o Luis Felipe, sim, ele é da UNB e é simplesmente um dos cientistas políticos críticos mais produtivos do momento... Vale ler ele tb sim. Também li por alto sobre essa questão do território extenso... Sem dúvida é um dos muitos desafios da democracia em sociedades capitalistas.

      Inclusive recomendo conhecer tb a Ellen Meiksins Wood neste tocante.

      Prosseguindo, eu tenho uma certa implicância com a associação do cidadão ao cliente Douglas. Não obstante reconhecer que em toda sociedade contemporânea haverá alguma dose de clientelismo, o atendimento de demandas pode ser particularizada ou universalizante. Esse é o ponto.

      Quando falamos de políticas públicas distributivas ou redistributivas, estamos falando do enfrentamento das assimetrias... O clientelismo, em essência, reforça as assimetrias até por precisar da desigualdade para se perpetuar.

      Em suma, a ação coletiva que apresenta demandas e estas são respondidas em forma de políticas públicas e sociais tem um caráter emancipatório muitas vezes. O clientelismo não: ele aprisiona os agrupamentos sociais na lógica da barganha que jamais tem por objetivo o enfrentamento da desigualdade substantiva.

      Agora, falando especialmente sobre o governo Diniz, eu realmente não tenho expectativas. Acompanhei um discurso durante o período eleitoral e, claro, depois cabe acompanhar a prática. É o princípio lacaniano... Tudo bem, considere o que sai da boca do interlocutor.. Mas, fique duas vezes mais atento aos "pés", ou seja, aquilo que será efetivamente realizado. De cara vi inúmeros desafios e desde a posse do staff ando acompanhando... por vezes até com certa perplexidade.

      Também não tenho tanta certeza de que exista um Dna político ou ideológico inequívoco no governo Diniz. Na verdade, as coisas me parecem muito difusas ainda para q eu veja algo assim... Por isso, estou aguardando e acompanhando. Ainda não vejo uma fisionomia clara entende? Até pq, uma das grandes questões da política é a capacidade de formulação de um projeto. Ainda não vi nada disso.

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    2. Meu caro, desculpe novamente:

      Políticas universalistas em sistemas capitalistas, do tipo keynesianas ou de Wellfare State não significam redução de assimetrias, necessariamente...

      E quando o fazem, a redução das assimetrias (a aquisição de mais renda) não determina o fim da relação de clientela, mas só sofistica as demandas...

      Se tomarmos como verdadeiras suas afirmações de que políticas universalistas de inclusão (com ou sem redução de desigualdade) geram menos clientes, poderemos concluir que os mais ricos não são clientes do Estado, certo? Errado...são clientes, mas de natureza mais diluída, ideologicamente mais camuflada, mas ainda assim, clientes...Porque detém artefatos discursivos mais elaborados, e os repercutem em meios mais qualificados (olha a Academia aí gente, chora cavaco!)..., mas ainda assim, clientes que esperam (e berram) pela atenção do Estado...

      E pelo pouco que pude observar, recentemente, os beneficiários dessas políticas, grosso modo, sequer as reconhecem como tais, resultando em uma escalada conservadora no ethos político conservador já sedimentado...

      Em suma: tais políticas sequer criam uma solidariedade política nos beneficiários, que passam a atacar esses programas como "favores" (clientelismo) assim que saem da faixa social de atendimento.

      Foi assim com a classe média negra dos EUA, que "esqueceu" o papel do Estado e passou a engrossar o coro estigmatizante contra os negros que ainda dependiam das políticas afirmativas...

      Veja bem, não estou aqui a defender o fim ou a diminuição de tais programas universais, ou defendendo a prática chamada de clientelismo...

      O que desejo é mais rigor na classificação, porque, via de regra, por questões já conhecidas, o clientelismo só é chamado por esse nome quando é coisa "de pobre"...

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  3. Quanto ao (des) governo diniz, eu acho que nosso debate se interdita aqui:

    "(...)Também não tenho tanta certeza de que exista um Dna político ou ideológico inequívoco no governo Diniz(...)"

    O fato de você, com toda sua capacidade não enxergar esse viés não quer dizer que ele não exista...

    Ainda assim, o conjunto de práticas já adotadas, desde a campanha com a judicialização, e depois da posse, as nomeações, os nomes envolvidos com a atávico patrimonialismo garotista, o fim dos programas sociais sob a mesma cantilena de sempre - adequação/choque de gestão/auditoria e etc. - o loteamento da secretaria de educação em afronta ao compromisso com as eleições diretas para diretoras, e enfim (ufa!) o uso da pior e mais cretina mídia do planeta, já nos revelam o perfil ideológico dos moços...

    Mas, como eu disse, cada um vê aquilo que quer ver...um abraço, Camarada George...

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