domingo, 16 de abril de 2017

Acumulação primitiva e Odebrecht

Acumulação primitiva e Odebrecht *

George Gomes Coutinho **

Após a divulgação da chamada “Lista de Fachin”, a alcunha popular da enorme lista de investigados da classe política brasileira onde todos os grandes partidos nacionais estão implicados, duas questões saltam aos olhos.

A primeira delas: o grande capital mantém uma relação íntima, quase intestina, com o processo de competição eleitoral. Não se trata de uma jabuticaba, ou, em outros termos, algo exclusivamente brasileiro. Todas as sociedades capitalistas apresentam interferências e distorções em seu sistema político provocadas pelos agentes econômicos. O que me incomoda neste momento é que alguém imagine que só a Odebrecht tenha se utilizado deste tipo de prática.

Prosseguindo em minha argumentação, há o “não dito” como diriam os leitores de Jacques Lacan (1901-1981). As delações e suas narrativas, sejam elas de todo verdadeiras em seus fatos ou não, trazem para a luz do dia algo que até então não se discute na esfera pública.

Como disse, é bastante óbvia a influência do grande capital no processo de competição eleitoral. Mas, as delações dizem muito mais do que isso. Na verdade gritam muito mais do que esta obviedade.

A influência do capital se estende para além das eleições. Dentre as narrativas das delações aparecem processos legislativos, projetos de lei e ações do executivo diretamente “encomendadas” pelos agentes econômicos aos seus peões do jogo político.

Karl Marx (1818-1883) em seu monumental “O Capital” discutiu em um capítulo a chamada “acumulação primitiva”. Seria um processo de acumulação pré-capitalista que tornou possível, mediante a pilhagem, genocídios e outras ações moralmente condenáveis, o volume de recursos que concretizou a Revolução Industrial. Sem esta pré-acumulação a acumulação capitalista em si não seria viável. Contudo, como vimos nas delações, os agentes econômicos jamais abandonaram este rol de práticas. Decerto a Odebrecht não foi a primeira a fazer uso do expediente da corrupção. Tampouco será a última.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã de 16 de abril de 2017

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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