Acumulação primitiva e Odebrecht *
George
Gomes Coutinho **
Após a divulgação da chamada
“Lista de Fachin”, a alcunha popular da enorme lista de investigados da classe
política brasileira onde todos os grandes partidos nacionais estão implicados,
duas questões saltam aos olhos.
A primeira delas: o grande
capital mantém uma relação íntima, quase intestina, com o processo de competição
eleitoral. Não se trata de uma jabuticaba, ou, em outros termos, algo
exclusivamente brasileiro. Todas as sociedades capitalistas apresentam
interferências e distorções em seu sistema político provocadas pelos agentes
econômicos. O que me incomoda neste momento é que alguém imagine que só a
Odebrecht tenha se utilizado deste tipo de prática.
Prosseguindo em minha
argumentação, há o “não dito” como diriam os leitores de Jacques Lacan
(1901-1981). As delações e suas narrativas, sejam elas de todo verdadeiras em
seus fatos ou não, trazem para a luz do dia algo que até então não se discute
na esfera pública.
Como disse, é bastante óbvia a
influência do grande capital no processo de competição eleitoral. Mas, as
delações dizem muito mais do que isso. Na verdade gritam muito mais do que esta
obviedade.
A influência do capital se
estende para além das eleições. Dentre as narrativas das delações aparecem processos
legislativos, projetos de lei e ações do executivo diretamente “encomendadas”
pelos agentes econômicos aos seus peões do jogo político.
Karl Marx (1818-1883) em seu
monumental “O Capital” discutiu em um capítulo a chamada “acumulação
primitiva”. Seria um processo de acumulação pré-capitalista que tornou
possível, mediante a pilhagem, genocídios e outras ações moralmente
condenáveis, o volume de recursos que concretizou a Revolução Industrial. Sem
esta pré-acumulação a acumulação capitalista em si não seria viável. Contudo,
como vimos nas delações, os agentes econômicos jamais abandonaram este rol de práticas.
Decerto a Odebrecht não foi a primeira a fazer uso do expediente da corrupção.
Tampouco será a última.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã de 16 de abril de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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