domingo, 30 de abril de 2017

Modus operandi temerário

Modus operandi temerário*

George Gomes Coutinho **

Ao acompanhar o trâmite do que o governo Temer, entusiastas e parte considerável da grande mídia e empresariado chamam de “reforma” trabalhista, o que na verdade implica na transfiguração de uma CLT jamais plenamente implantada, podemos notar uma regularidade no processo político. Há um modus operandi verdadeiramente temerário que fere de maneira ainda mais grave a já combalida saúde da democracia brasileira.

Até o presente momento na audaciosa agenda do governo Temer foram apresentados os seguintes pontos vitoriosos do governo: 1) a “reforma” do ensino médio; 2) a chamada “PEC dos gastos” (onde investimentos e gastos espantosamente tornaram-se sinônimos); 3) a aprovação na última quarta-feira da “reforma” trabalhista na Câmara dos Deputados. Decerto eu poderia listar outras vitórias do governo e derrotas de diversos grupos da sociedade. Mas, irei me centrar no que chamam de “reformas”.

O(a) leitor(a) certamente notou que utilizo o termo “reformas” entre aspas. Na verdade considero o substantivo feminino “reforma” nesse contexto um eufemismo. Em última instância as propostas aprovadas e a vindoura “reforma” da previdência mudam a configuração das relações entre Estado, mercado e sociedade de maneira profunda no Brasil. Justamente por isso o tratamento deveria ser outro.

Até o momento temos um presidente da Câmara organicamente alinhado e hábil ao utilizar manobras regimentais derivando em uma rotina legislativa rápida e aflitiva. Em anexo, setores não alinhados com as propostas são politicamente desconsiderados, o que empobrece o debate e a qualificação das “reformas”. Em meio a tudo isso parte substantiva da grande imprensa ignora qualquer contraponto gerando um samba de uma nota só na arena pública brasileira, algo que só é parcialmente quebrado por mídias mais pluralistas ou alternativas e de menor alcance de audiência. Aos críticos das “reformas” ainda pesa a desqualificação por serem a priori “petistas”, a despeito de muitos não terem qualquer afinidade com o PT. Tudo indica que o modus operandi se repetirá na questão previdenciária e a ambiência anti-democrática prossegue.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 29 de abril de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

3 comentários:

  1. Efetivamente, a reforma trabalhista retirou algum direito? Não. Todos os direitos constitucionais estão preservados. Salvo engano, o maior problema é a terceirização irrestrita. De resto, regulariza aquilo que já é feito nas relações de trabalho.

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    1. Caro leitor,

      Grato pelo comentário.

      Note que me concentrei no processo político em si. Não me propus a fazer uma análise da "reforma" tal qual foi aprovada na Câmara.

      Todavia, em uma primeira e rápida mirada, considero que há problemas na reformulação da CLT. Ainda a questão de "regularizar o que já é feito nas relações de trabalho" é igualmente um problema: já vivemos relações capital X trabalho predatórias... A transfiguração da CLT as insere em um marco legal onde, em última instância, torna as relações de trabalho legalmente "chinesas" em uma série de aspectos.

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  2. Sim, percebi o foco do vosso valoroso texto. Como acompanhei as 17 audiências públicas sobre o tema, fiz as observações. Não há direitos retirados, já que não se trata de emenda constitucional, assim as garantias fundamentais do artigo 7 da carta Magna estão preservados. A questão polemizada pelos sindicatos é a prevalência do negociado sobre o legislado. O que sempre foi um pedido dos sindicatos, em especial daqueles que conseguiram constituir uma elite na classe trabalhadora e que deixou a margem a maioria dos trabalhadores sem representatividade. É fato que as relações de trabalho mudaram e não compreendo que exista hoje, na atual quadra histórica, sindicatos que sejam capazes de negociar acima da legislação. Por outro lado, ao contrário do que dizem, os terceirizados terão dupla garantia para o cumprimento do contrato, da empresa terceirizada e da empresa contratante. O que atualmente não acontece.
    Por fim, resta a esperança de que os sindicatos sejam capazes de representar os trabalhadores e não partidos políticos.

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