Lasciate ogni speranza?*
George
Gomes Coutinho **
“Lasciate ogni speranza, voi che
entrate” – “Deixai aqui toda a esperança, vós que entrais”. Assim o poeta
italiano Dante Alighieri imaginou o aviso inscrito no portão de entrada do
inferno na sua “Divina Comédia”, texto clássico e insuperável do século XIV. Guardadas
as devidas proporções, não duvido que boa parte do sistema político brasileiro
pode ter interpretado no mesmo tom a divulgação das gravações de Joesley Batista,
dono da JBS, na última quarta-feira. O fim das esperanças.
Irei me ater a duas perspectivas:
uma pautada pela obviedade exposta no noticiário. A segunda é menos visível e
muito mais profunda.
Neste momento, no que tange o
aspecto mais visível, temos o aprofundamento da crise da democracia
representativa. Todos os grandes partidos encontram-se na berlinda em um
cenário explosivo de ativismo judicial. Ao mesmo tempo as lideranças
tradicionais, dotadas de lastro eleitoral, encontram-se no mínimo sob
suspeição. No Congresso Nacional em suas duas casas boa parte dos agentes,
senadores e deputados, tem seu próprio rol de acusações formais. Na
presidência, Michel Temer, o “não eleito”, foi gravemente ferido pela
divulgação das gravações de Batista e sua legitimidade só era sustentada pelo
empresariado, latifundiários e banqueiros em um contexto de baixíssima
popularidade. Em meio a tudo isso a polarização gera miopia, ódio político que
sufoca a sensatez da análise, mantendo o ar ainda mais tóxico.
Mas, o que gerou este verdadeiro
fumaceiro denso no espaço público? Onde está o fogo?
O volume de fatos levantados pelo
judiciário sobre os agentes políticos revela muitíssimo acerca da construção de
parte das grandes fortunas no Brasil. Em um ambiente suprapartidário de
irrigação financeira da classe política o empresariado dos setores financeiro,
produtivo e agrícola estabelece um jogo de “ganha-ganha”: não importa o
vencedor da competição eleitoral, nós iremos vencer. Isto explicou também o
apoio financeiro e simbólico das elites ao Governo Temer enquanto este era
“útil”. De todo modo, sem enfrentarmos essa estrutura social profundamente
desigual a democracia entre nós continuará seguindo um penoso caminho.
* Publicado no jornal Folha da da Manhã em 20 de maio de 2017
*Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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