domingo, 23 de julho de 2017

Distopias e retrotopia

Distopias e retrotopia*

George Gomes Coutinho **

A sociedade moderna desde o seu nascedouro tem uma particularidade constitutiva: a projeção de futuros possíveis seculares onde a vida humana seria melhor. Sobre o “melhor”, onde aponto evidentemente para uma distinção qualitativa positiva diante do que é apresentado no agora, temos diferentes respostas. O iluminismo, o socialismo, a social-democracia, o liberalismo, o anarquismo, etc., cada uma destas tradições filosóficas e/ou políticas tem suas próprias versões sobre o que seria coletivamente o desejável, o justo e o bom. Contudo, todas estas vertentes, não obstante suas diferenças, defendem um olhar esperançoso sobre a sociedade vindoura. É a resposta radicalmente humanista e mundana ao paraíso judaico-cristão.

Nestes termos não deveria passar indiferente a ausência de uma perspectiva positiva sobre o futuro em nossa época no ocidente. Não por acaso dois pensadores diametralmente diferentes notam que a imaginação, seja política ou cultural, flerta perigosamente com o abandono do futuro. Slavoj Zizek (1949) diria que o nosso tempo é demarcado por distopias. Zygmunt Bauman (1925-2017) ressalta o surgimento das retrotopias.  

Zizek em vários momentos da sua obra recente e especialmente no documentário “The Pervert´s Guide to Ideology” (O Guia Pervertido da Ideologia) de 2012 se propõe a analisar a relação entre ideologia e produção cinematográfica. Entre gracejos e ironias, marcas do pensador esloveno, o autor nota que parte da produção cinematográfica norte-americana contemporânea é demarcada por catástrofes, aniquilação do planeta ou da espécie humana, predominância de máquinas sobre os humanos, etc.. Ou seja, futuros distópicos onde é mais usual imaginar um futuro sombrio do que uma sociedade humana melhor.

Bauman em obra póstuma lançada pela Polity Press esse ano chamada “Retrotopia”, ainda sem tradução entre nós, ressalta um outro movimento que vejo como complementar: sem imaginar um futuro damos um salto para trás na imaginação política idealizando o passado. Por conta disso o retorno dos fantasmas autoritários/totalitários do século XX tem ressurgido em diversas nações enquanto um sintoma desta falência da elaboração criativa e humanista da esperança.


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 22 de julho de 2017

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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