domingo, 30 de julho de 2017

Bipolaridade redistributiva

Bipolaridade redistributiva*

George Gomes Coutinho **

No último número da revista Novos Estudos CEBRAP, publicada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento em junho deste ano, um artigo me instigou. “O Brasil tornou-se mais conservador?” foi o provocativo título e não é pouca coisa na desnorteante conjuntura brasileira.

O artigo foi escrito por Marta Arretche, professora de ciência política na USP cuja carreira é direcionada desde o início da década de 1990 por análises de políticas públicas, e por Victor Araújo, doutorando e orientando de Arretche no Programa de Pós-Graduação em Ciência da USP. Não irei entrar nos meandros metodológicos que os autores adotaram. Por enquanto basta que o(a) leitor(a) saiba que a dupla se utilizou de dados coletados em diferentes momentos entre 2008 e 2014 para tentar responder a pergunta do título do artigo.

Mas, antes de prosseguir, Arretche e Araújo definem o conservadorismo tomando como referência o Estado e sua atuação. Em outros termos: conservadora seria a perspectiva que defende uma atuação distanciada do Estado na intervenção em questões sociais, como, por exemplo, na redução das disparidades sociais.

A resposta para a pergunta sobre o aumento de nosso conservadorismo, mesmo que ainda inconclusiva por necessitar de outras pesquisas e abordagens, é sim. Há um pequeno aumento de nosso conservadorismo espantosamente entre as camadas mais pobres. Porém o aumento desta preferência conservadora não é dramático e não modifica de forma substantiva a preferência majoritária nas diferentes classes sociais por um Estado interventor no enfrentamento das nossas desigualdades.

Contudo, há algo que causa perplexidade e deve ser considerado com seriedade tanto por agentes políticos tradicionais quanto pelos analistas. Não obstante a preferência progressista sobre a atuação do Estado, apresenta-se o rechaço na maioria da população quanto a uma maior taxação enquanto fonte para financiar a atuação do mesmo Estado. É bipolar! A maioria deseja uma sociedade menos desigual. Todavia, sem fontes que financiem esse projeto coletivo. Não por acaso os discursos gerenciais fazem tanto sucesso com o eleitorado neste momento.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 29 de julho de 2017.


*Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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