28 de Setembro é o
“Dia de Luta pela descriminalização do aborto na América Latina e no Caribe”. Manifestações
são realizadas em várias cidades reivindicando o fim da criminalização do
aborto, a legalização e a consequente prestação do serviço de abortamento pelo
sistema público de saúde. Não se trata de “defender”, “promover”, “apoiar” ou
“desejar” o aborto, mas sim de tornar disponível um procedimento para quem o considere
necessário como último recurso para não ter um filho. Pesquisas indicam que
cerca de 1 milhão de abortos ilegais são realizados anualmente no Brasil; a
reivindicação da legalização não visa tornar o aborto um método contraceptivo
ou uma prática banalizada, mas sim permitir que as mulheres que optam pela interrupção
de uma gravidez não se submetam a procedimentos em ambientes insalubres,
perigosos e criminosos. Falar em 1 milhão de abortos anuais é admitir que a
criminalização não impede a prática, mas expõe as mulheres à uma série de
riscos. Ninguém opta por interromper uma gestação de modo leviano: a decisão
implica sofrimento e frustração. Nossa legislação criminaliza o aborto, mas
permite a reprodução in vitro e suas consequências: congelamento e descarte de
embriões, sem contar os embriões que não conseguem se desenvolver. É uma
discussão delicada, mas em um Estado que se diz laico e que se inclina cada vez
mais para ideais liberais, a criminalização do aborto se apresenta como um
contrassenso: ela não impede os abortos e nega o direito de decisão das cidadãs.
E se lembrarmos que cerca de 20% das mulheres brasileiras, entre 18 e 49 anos,
já vivenciaram um aborto, então teremos a dimensão de que não se trata de uma
prática rara, nem distante do cotidiano. A mulher que aborta não possui um
perfil específico, ela está em todas as religiões, classes sociais e possui
todas as cores de pele. Todavia, quando analisamos a questão, percebemos que
são justamente as mulheres mais pobres – que não podem pagar pelo procedimento
clandestino em clínicas caras – que mais sofrem os efeitos com a
criminalização. A legalização, nesse sentido, visa reduzir as desigualdades –
de gênero, de classe e de raça.
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
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