Eleições norte-americanas 2020 – Parte II – Pós-lançamento da
campanha republicana
Aluysio Abreu Barbosa[1]
Acabou nesta madrugada brasileira[2] o longo discurso em que
Donald Trump aceitou a indicação do Partido Republicano para tentar a reeleição
a presidente dos EUA nas urnas de 3 de novembro. Foi o primeiro em que a Casa
Branca foi utilizada como palco de campanha, o que jamais tinha sido feito por
nenhum presidente candidato à reeleição, desde que a sede do Poder Executivo
estadunidense foi construída em 1800.
Atrás
nas pesquisas e nas casas de apostas, Trump, como era esperado, radicalizou seu
discurso. Discurso este que foi várias vezes dirigido nominalmente contra o seu
adversário Joe Biden a quem chamou de “cavalo de Tróia do socialismo”, mesmo
que Biden seja um político moderado que derrotou o socialista Bernie Sanders
nas primárias democratas, e de “fraco”.
Trump
atacou também governadores democratas por adotarem a quarentena contra a Covid,
que já tirou mais de 180 mil vidas humanas nos EUA. Número que o líder do país
campeão mundial de mortes pela pandemia não citou. Mas, sem usar máscara, disse
que seu governo é “aliado da ciência” diante da aglomeração de 2 mil
entusiasmados militantes que gritavam “four more years” (“mais quatro anos”), a
grande maioria também sem máscaras.
Além
dos governadores democratas, o presidente dos EUA atacou os prefeitos do
partido de oposição que, segundo ele, não pedem ajuda federal contra os
protestos gerados pelo assassinato de George Floyd, negro sufocado até a morte
por um policial branco em 25 de maio. E que foram reacendidos depois que o
também negro Jacob Blake levou sete tiros pelas costas no último domingo (23),
diante dos seus três filhos pequenos, disparados por outro policial branco.
Trump
classificou os manifestantes, jovens em sua maioria, de “anarquistas”, tentando
ligá-los a Biden e aos democratas. Mas não citou outro jovem, Kyle Rittenhouse,
de 17 anos, que matou dois manifestantes na terça (25) a tiros de fuzil, e
tinha postado um vídeo em que aparecia na primeira fila de um comício do
presidente. Este reforçou o tempo inteiro o discurso da “lei e da ordem”, que
teve êxito em 1972, quando os EUA também estavam tomados por protestos pelos direitos
civis, e outro presidente republicano, Richard Nixon, foi reeleito ainda que
tenha sido obrigado a renunciar em 1974, para não sofrer o impeachment, pelas
complicações do caso Watergate, em que espiões a mando da Casa Branca foram
presos enquanto plantavam escutas no comitê democrata. Tanto o vídeo trumpista
do jovem assassino de hoje, quanto o Watergate dos anos 1970, foram revelados
pelo jornal Washington Post.
Além
dos jovens que levaram os protestos do “Black Lives Matter” (“Vidas Negras
Importam”) dos EUA ao mundo, outro alvo preferencial de Trump em supostas
ligações com Biden foi a China de Xi Jinping com quem prometeu endurecer ainda
mais a guerra comercial. Ele voltou a chamar o Sars-Cov-2 de “vírus chinês”,
posição xenófoba que adotou antes da pandemia chegar aos EUA. A associação da
China com o presidenciável democrata foi feita várias vezes: “A agenda de Joe
Biden é ‘made in China’. A minha é ‘made in the USA’”. Já sobre a Rússia de
Vladimir Putin, que Biden atacou pela interferência na campanha presidencial de
2016 com produção e difusão de fake news, o republicano favorecido por elas não
disse uma palavra.
Trump
também fez muitas promessas. Prometeu diminuir os impostos, que Biden prometeu
cobrar das grandes fortunas para garantir seguridade social à população, e o
preço dos remédios. Prometeu também uma vacina “segura e eficaz” contra a Covid
ainda este ano, após sua campanha da cloroquina ter nos EUA o mesmo efeito
inócuo que no Brasil de Bolsonaro. Não prometeu o sol, mas prometeu literalmente
a Lua, garantindo que colocará a primeira mulher para pisar no satélite
terrestre em um eventual próximo mandato. E prometeu até fincar a bandeira do
seu país no solo de Marte. Além de prometer concluir na Terra seu controvertido
muro na fronteira com o México: “O muro vai logo ser concluído, e está andando
acima de nossas expectativas mais selvagens”. Mas não citou que seu
estrategista da campanha vitoriosa de 2016, Steve Bannon, mentor internacional
do clã Bolsonaro, foi preso no último dia 20 por desvio de recursos para a
polêmica obra.
Trump
também homenageou duas famílias de negros mortos, presentes no seu discurso. E
chegou a afirmar: “Fiz mais pela comunidade negra em três anos do que Joe Biden
fez em 47 anos (de carreira política), e, quando eu for reeleito, o melhor
ainda estará por vir". Em 2016, o presidente teve apenas 6% dos votos dos
negros. E as promessas de conclusão do muro com o México e de endurecer ainda
mais as regras de imigração não devem ajudá-lo com outra minoria crescente do
eleitorado dos EUA: os hispano-americanos. Em contrapartida, fez várias menções
religiosas e pró-Israel, para assegurar o voto dos evangélicos, maioria
religiosa de lá. O dos judeus, nos EUA, sempre foi majoritariamente democrata.
Ao
insistir em um comício com a presença física dos seus apoiadores, Trump pode
ter contrariado as orientações sanitárias do seu próprio governo. Mas deu calor
à sua campanha. E isso pode dar um contraste favorável ao presidente, em
comparação com o distanciamento — politicamente correto, mas politicamente
arriscado — da campanha democrata. O republicano mentiu várias vezes em seu
discurso, como sempre faz. Ao que seus entusiastas parecem indiferentes. Mas
talvez precise ir além deles. Em um país politicamente tão polarizado quanto o
Brasil, mas sem voto obrigatório, é na busca do eleitor não trumpista, mas
também não democrata, que o pleito deve ser decidido.
Trump e Biden parecem ter razão em um raro ponto
comum dos seus discursos: será uma eleição histórica. Pelo uso da Casa Branca
como palco de comício, pela primeira vez em seus 220 anos de existência, a
campanha já é. * "Republican
Party Flag”. Disponível em: https://www.reddit.com/r/vexillology/comments/d2g8ep/republican_party_flag/,
acesso em 31 de ago. 2020.
[1]
Jornalista, poeta e diretor de redação do jornal Folha da Manhã.
[2]
Texto originalmente redigido pelo autor poucas horas após o término do anúncio
da campanha de reeleição do republicano Donald Trump. O texto original, que
aqui estamos republicando, pode ser conferido aqui: https://www.facebook.com/aluysio.abreubarbosa.3/posts/1389300037925436
Aluysio Abreu Barbosa[1]
Acabou nesta madrugada brasileira[2] o longo discurso em que
Donald Trump aceitou a indicação do Partido Republicano para tentar a reeleição
a presidente dos EUA nas urnas de 3 de novembro. Foi o primeiro em que a Casa
Branca foi utilizada como palco de campanha, o que jamais tinha sido feito por
nenhum presidente candidato à reeleição, desde que a sede do Poder Executivo
estadunidense foi construída em 1800.
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