Entrevista de Carlos Abraão Moura Valpassos ao Blog Opiniões do Jornal Folha da Manhã. - Publicado em 01 de Agosto de 2020.
http://opinioes.folha1.com.br/2020/08/01/eleicao-de-novembro-define-prefeito-nao-quem-paga-a-conta-de-campos/
FM – A Prefeitura enviou à Câmara Municipal uma previsão orçamentária
para 2021 de R$ 1,7 bilhão. Mas, pela crise econômica advinda da Covid, há
previsão de que isso possa cair até para 1,5 bilhão até a LOA ser encaminhada
em agosto. Com R$ 1,1 bilhão comprometido só com folha de servidor, há solução
aritmética para Campos? Qual?
CAMV - A solução aritmética é
simples e já se insinua no enunciado: a quantidade de dinheiro disponível
ficará abaixo do desejado. As perspectivas não são alvissareiras e isso impõe a
necessidade de planejamento. Para enfrentar o cenário negativo, será preciso
criar receitas, ou seja, trazer investimentos para Campos. Isso demanda
planejamento de ações e eficiência para colocar em prática aquilo que for
planejado. A próxima gestão não poderá ser alicerçada sobre um discurso que não
ganha materialidade. Para tanto, será necessário valorizar aquilo que já existe
– agricultura e pesca, por exemplo - e incentivar a implementação de empresas e
indústrias, sem desconsiderar as que já estão aqui e também o setor de
serviços.
FM – Fala-se muito da reforma administrativa. Que o governo Jair
Bolsonaro (sem partido) teme propor desde os protestos no Chile de 2019.
Ninguém projeta que entre em pauta antes de 2021, com mudanças ao servidor só
para concursos futuros, como frisa o presidente da Câmara Federal, deputado
Rodrigo Maia (DEM/RJ). Campos pode esperar 35 anos até que essas novas regras,
ainda nem debatidas e aprovadas, tenham impacto em sua folha? Qual a
alternativa? Cortar unidades e programas de saúde, de assistência social,
creches e escolas?
CAMV - Não vejo como cortar os
programas de saúde, de assistência social, as creches e as escolas possa ser
solução para qualquer questão. Se for feito, o que teremos será uma problema
administrativo contornado por agravamentos de problemas na área de saúde, de
incremento da pobreza – o que vai se converter em diversos outros problemas – e
de educação. Há inúmeras questões de grande complexidade que começam a ser
simplificadas quando descartamos as alternativas absurdas. Essa parece ser uma
delas. A cidade possui um problema crônico que não será desfeito pelo mero
desejo e a resposta para isso dificilmente será dada nos próximos 4 anos.
FM – No Código Civil de 2002 há a resolução da “onerosidade excessiva”,
de aplicação sempre controversa. Seria um caminho à insolvência financeira dos
entes federativos, pior no Estado do Rio e em Campos, pela dependência do
petróleo? Ou em tempo de crise com a pandemia da Covid, seria o momento de o
estado em suas três esferas romper com a austeridade e assumir o papel de
indutor da economia, como preconizava John Keynes?
CAMV - É valido pensar sobre os
resultados que estamos obtendo com as medidas de austeridade. Obtivemos melhoras
na saúde ou na educação? Nosso IDH sofreu alterações positivas? Tais medidas
reduziram a concentração de renda? As finanças caminham para um equilíbrio? A
resposta é negativa para todas as questões. O Brasil vive um momento onde o
Estado é apontado como fonte de todos os problemas, morais e econômicos. O
setor privado é muitas vezes pensado como algo positivo e eficiente. E isso não
se confirma nem de um lado, nem de outro. O Estado pode e deve ter papel
central como motor propulsor da Economia, gerando empregos e fazendo girar o
capital, mas, sobretudo, descentralizando os recursos – que não podem ficar
disponíveis apenas para grandes empresários.
FM – Em entrevistas ao programa Folha no Ar, todos os pré-candidatos a
prefeito de Campos entrevistados falaram em necessidade de redução da máquina
municipal. Até a ex-vereadora Odisséia Carvalho, do PT, partido
tradicionalmente ligado aos servidores públicos. Mas nenhum deles deu detalhes
de como e onde. Qual a sua visão?
CAMV - Não acredito que o
problema será solucionado na próxima gestão, seja ela qual for. O simples fato
de nenhum dos entrevistados ter dado detalhes sobre como reduzir a máquina
municipal já é um indicativo disso. Ou vamos acreditar que um raio de luz cairá
sobre a pessoa eleita, no primeiro dia de 2021, para que ela resolva a questão?
Os gastos da folha representam um desafio, sim, mas é preciso ter em mente que
a cidade possui diversas outras questões que podem atenuar o problema ou
intensifica-lo. Afinal, quando foi que a folha de pagamentos se tornou uma
questão central? Isso se deu após a redução das receitas dos royalties. A
dependência do petróleo parece ser o ponto crucial, a origem de vários
problemas.
FM – Sempre mais visível em quem está no poder, a contradição entre o
discurso de campanha e a realidade do governo é realçada na pré-candidatura à
reeleição do prefeito Rafael Diniz (Cidadania). Que, em 2016, prometeu manter
programas sociais, valorizar o servidor e, em 2020, enfrenta a rejeição por não
ter cumprido. Em que o prefeito errou? Como ele ou qualquer outro adversário de
novembro poderiam acertar entre discurso e realidade?
CAMV - Rafael Diniz não caiu de
paraquedas na Prefeitura. Em primeiro lugar, ele é cidadão de Campos; em
segundo, e ainda mais importante: ele era vereador. Ele sabia muito bem qual
era a situação econômica do município. A questão que me surge é: ele sabia que seria
eleito? Se sabia, não se preparou devidamente para o que estava por vir. Em
pouco tempo de governo, ele já estava solicitando paciência e o prazo de 1 ano
para começar a governar. Todavia, com cerca de 6 meses ele quebrou suas
promessas, fechou o restaurante popular e encerrou o programa social das
passagens de ônibus. A gestão de Rafael está chegando ao fim e ele não cumpriu
as promessas de campanha, nem as de governo, pois até hoje não temos um
restaurante popular nem um sistema de transporte público eficiente. Ter um
planejamento de governo é algo crucial, não basta a boa vontade e a esperança
de que tudo vai se resolver quando o “jogo” começar.
FM – Outro pré-candidato a prefeito de Campos no Folha no Ar, Roberto
Henriques (PC do B) classificou de “modelo perdulário” o que teria sido
instalado no município a partir do governo Arnaldo Vianna (PDT), com inchaço da
máquina pública custeado pelo incremento substancial das receitas do petróleo.
Para Henriques, isso foi mantido nas gestões Alexandre Mocaiber (sem partido),
da qual foi vice, e Rosinha Garotinho (Pros). Concorda? Por quê?
CAMV - Não sei se “perdulário”
seria o melhor adjetivo, mas há de se reconhecer que faz sentido. Todavia, acho
que “irresponsável” seria mais claro e objetivo. Sempre acreditei que os
recursos originados dos royalties deveriam ter um propósito social e atuar como
uma compensação às futuras gerações por aquilo que foi retirado do território.
Nesse sentido, os recursos dos royalties deveriam ter sido investidos para
promover um legado que seria usufruído no presente e, sobretudo, no futuro.
Isso aconteceu? O que sobrou da época de farturas? Houve responsabilidade no
emprego das verbas? Quando um cidadão campista pode dizer “felizmente temos
isso aqui, que foi algo realizado na época boa dos royalties e dura até hoje”?
Pois é. Dito isso, só nos resta discutir se fica melhor chamar de perdulário,
irresponsável ou qualquer outro adjetivo...
FM – Pelo fato de Arnaldo e Mocaiber serem médicos, categoria sempre corporativa,
um grande inchaço da máquina foi na saúde. Matéria de agosto da InterTV alertou
que enquanto a OMS indica, para cada mil habitantes, o ideal de um médico,
Campos tem três. E ainda assim a saúde é um dos principais motivos de queixa da
população. Rosinha tentou enfrentar a classe, mas recuou. Assim como Rafael,
com o ponto biométrico. Mas também voltou atrás por conta da pandemia. A
categoria importante e ruidosa dá um raio-x do dilema da cidade?
CAMV - Não se cabe dizer de uma
categoria que ela seja “sempre corporativa”, pois isso encobre as disputas
internas e as divergências que marcam diversos grupos profissionais. Se a OMS
indica 1 médico para cada 1.000 habitantes e Campos possui 3 para cada 1.000,
isso deveria se ser muito bom e se refletir em um sistema modelo de atendimento
de saúde. Todavia, isso não acontece. Em primeiro lugar, precisamos lembrar que
médicos não trabalham apenas com presença de espírito, eles precisam de
estrutura e insumos específicos. Temos isso? Nossos postos de saúde estão
sucateados há muito tempo; faltam medicamentos, equipamentos e há casos onde
atendimentos são realizados em salas mofadas. Acredito que os médicos podem e
devem ser cobrados, mas o questionamento teria maior legitimidade se as
condições de trabalho fossem adequadas.
FM – A conta do desperdício dos royalties começou a chegar a partir do
final de 2014, com a queda do preço do barril de petróleo. Não por acaso, a
partir dali o governo Rosinha realizou suas três “vendas do futuro”. Os
garotistas tentam minimizar seu impacto, que comprometeram as receitas do
petróleo de Campos até julho 2026. Como você avalia?
CAMV - Não é possível minimizar o
impacto das “vendas do futuro” para Campos. A cidade possui um histórico
monocultor, viveu quase todo o século XX dependendo da produção de cana-de-açúcar
e migrou, no final do século, para a dependência do Petróleo. Dependente de um
mercado que não controla, Campos se viu em péssima situação quando ocorreu a
desvalorização do barril do petróleo e, com os empréstimos contratados, assumiu
uma dívida que perturba mensalmente o orçamento da cidade. A folha salarial não
deixaria de ser uma questão se não tivéssemos o pagamento dessa dívida, mas ela
teria outro peso no orçamento. O tal “futuro” virou “presente” de forma rápida
e não houve geração de receita para tapar o buraco – aí está algo que o
prefeito Rafael Diniz pode chamar de “herança maldita”.
FM – Além das “vendas do futuro”, o relatório da CPI do PreviCampos
revelado na Câmara Municipal, na última terça (28), apontou um desfalque de R$
500 milhões na previdência do servidor durante o governo Rosinha. Fruto dele, o
município tem que colocar todo mês R$ 6 milhões para manter as aposentadorias e
benefícios em dia, além dos R$ 4,5 milhões da contribuição patronal e outros R$
4,5 dos previdenciários. Como estancar essa sangria?
CAMV - O relatório da CPI do
PreviCampos ainda terá muitos desdobramentos – políticos e judiciais. O
desfalque ali realizado cria mais um gasto para o município – gasto que poderia
ser empregado em diferentes políticas sociais. Independente dos desdobramentos
judiciais, parece pouco provável que o município consiga reaver as quantias que
foram retiradas do PreviCampos, o que significa que a cobertura dessa dívida
tende a ser incorporada, como tem sido, aos gastos da Prefeitura. Tal relatório
parece refletir, de modo explícito, os maus usos do dinheiro público em Campos
dos Goytacazes, bem como os efeitos deletérios da luta entre grupos políticos
que se alternam no poder há mais de 40 anos.
FM – Marcadas para agosto e setembro, se as convenções fossem hoje, o
candidato garotista a prefeito do PSD seria o ex-vereador Fábio Ribeiro, não o
deputado federal Wladimir Garotinho, como a Folha divulgou em primeira mão em
25 de julho. Isso deve ser encarado como a confissão política de que o quadro
financeiro da Prefeitura é financeiramente insolúvel?
CAMV - Não tenho como afirmar que
seja uma confissão política de que o quadro financeiro é insolúvel, mas o
argumento é forte. Wladimir Garotinho é deputado e tem mais dois anos de mandato
pela frente. Talvez seja mais promissor para a cidade tê-lo como deputado,
atuando por causas da cidade, do que como prefeito. Isso, todavia, é uma forma
muito idealista de encarar a situação. A ausência de Wladimir no pleito
eleitoral cria, de antemão, uma mácula sobre o nome que o substitui. O problema
financeiro, todavia, não foi suficiente para afastar as intenções dos outros
candidatos, que não são incautos, mas também não apresentaram, até o momento,
soluções razoáveis para muitos dos problemas da cidade. Não há indícios de
prosperidade num futuro próximo.
FM – Em valores corrigidos pelo INPC, Campos recebeu de royalties e
participações especiais (PEs) R$ 4,67 bilhões de 1999 a 2004, com Arnaldo; 6,94
bilhões de 2005 a 2008, com Mocaiber; e 12,06 bilhões de 2009 a 2016, com
Rosinha. Em conta que desce a ladeira para 2021, Rafael teve, até 2020, R$ 1,84
bilhão. Juntos, os três prefeitos anteriores tiveram 23,67 bilhões. Acredita
que os quase 600 mil campistas tenham a noção da chance histórica que a cidade desperdiçou?
Qual seu legado, além de uma máquina inchada e insustentável?
CAMV - A população tem
consciência dos erros cometidos em todas as gestões. Todavia, estamos em uma
cidade pobre, em diversos sentidos, e a Prefeitura é responsável, direta ou
indiretamente, por boa parte da renda das famílias. Aqui, aderir a um candidato
ou a outro significa apostar nas possibilidades de obter trabalho e renda ao
longo da próxima gestão. Não é uma questão de ignorância política ou histórica,
simplesmente, é o resultado de uma disputa de poder, em um contexto de pobreza,
que leva muitas pessoas a tornarem a política não uma questão de planejamento
para o bem coletivo, mas sim como uma forma de obter recursos no curto prazo.
Um bom exemplo foi o áudio vazado, recentemente, de um vereador de Campos
explicando como pressiona seus funcionários contratados para que obtenham votos
para ele. Seria essa a função de um vereador? Seria essa a função de seus
assessores, trabalhar para que ele obtenha votos?
O que a população de Campos
perdeu com o uso irresponsável dos royalties foi um conjunto de oportunidades
para superar a dependência da Prefeitura e do petróleo. Qual foi o legado? Não
sei, acho que, quando a pandemia passar, deveríamos refletir sobre isso sob os
arcos do Canal Campos-Macaé – que, apesar da maquiagem, continua sendo chamado
de valão.
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