A morte da política? *
George
Gomes Coutinho **
Eis que a política tem mais uma
vez sua morte decretada por diversos analistas e políticos profissionais. Não é
a primeira vez que declaram de forma equivocada seu óbito. Justamente por esta
razão, dentre outras que irei expor nas próximas linhas, considero o
diagnóstico distorcido.
O juízo que avalia a morte da
política encontra alguma razão de ser quando observamos os resultados das
últimas eleições municipais em diversas cidades brasileiras de médio e grande
porte, especialmente se nos concentrarmos nas disputas majoritárias. A derrota de lideranças históricas, o
surgimento de novos nomes “fabricados” pelo marketing político ou daqueles
construídos organicamente em face das demandas apresentadas pela sociedade, o
esmaecimento da política partidária tradicional e a presença do discurso
tecnificado sobre a coisa pública levam água ao moinho das perspectivas mais
pessimistas.
Porém, a política ainda é um dos
grandes instrumentos onde a sociedade torna vinculante decisões de impacto coletivo.
É a forma, radicalmente mundana, de projetar em ações qual maneira de viver
decantará em detrimento de outras. A questão é que sociedades complexas são
formadas por grupos, estratos, classes sociais e na democracia representativa
liberal projetos societários encontram-se em disputa. Neste sentido a política
não morreu.
Eleições são fenômenos que não
deveriam ser observados em uma perspectiva atomizada. Sendo um fenômeno complexo,
as eleições refletem demandas e momentos históricos, não obstante o elemento
invariável que caracteriza o pleito: o interesse. Eleitores e políticos
profissionais guiam-se por seus interesses e é este gatilho que dinamiza o
mercado eleitoral.
Cabe discutirmos evidentemente
quais apostas se plasmaram nas urnas neste outubro de 2016 nos municípios
brasileiros. Em uma conjuntura fortemente demarcada por um discurso seletivo
pautado por valores morais, em alguns casos a técnica se apresentou como saída
hipoteticamente “neutra”. O marketing político, dadas as regras do jogo, também
foi bem sucedido. Mas, não se trata da morte da política. É apenas sua nova e
um tanto frustrante faceta histórica. Só cabe um alerta final: nem a política e
tampouco a história estão congeladas.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 08 de outubro de 2016
** Professor de Sociologia no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
Caro George,
ResponderExcluirMe entristece muito que esse seu capital teórico esteja a serviço de enfeitar um monte de merda editorial onde você publica esse ótimo texto.
Chega a ser ironia suas análises passearem dentre os canibais que devoraram a Democracia.
Feito o preâmbulo, é preciso dizer:
Sim, meu caro, a política morre...morre várias vezes, e renasce, com o aspecto da complexidade e polifonia descritos por você.
Mas ela morre sim.
E olhando eleições sem incorrer no erro da atomização, é preciso dizer que adentramos a Idade das Trevas, ou da não-política.
Quais outras novas formas ressuscitarão dos despojos do finado modelo é outra questão.
Até porque, sinto informar que o modelo clássico institucionalizado de luta pela hegemonia, quer dizer, pautado pelos modelos representativos liberais-democráticos-formais acabaram de acabar.
Não há solução possível que resgate qualquer efetividade nesses modelos, sem prejuízo permanente dos interesses da maioria, ainda e porque essa maioria nunca se dará conta disso.
O arranjo mídia, partidos, empresas, sindicatos, Estado, e tudo mais que concorre para a estruturação da realidade como nos acostumamos a vê-la só reproduz uma lógica que não mais permite qualquer esperança de superação.
E para falar a verdade (e Marx sabia disso), nunca estiveram aí para isso. Nós é que acreditamos que seria possível usar essas estruturas para superá-las, em um gradualismo meio que tolo, meio que cínico.
É quando a política morre que nasce a barbárie. E depois, afogados no sangue da barbárie, recriamos a política outra vez.
Bem vindo a barbárie, meu caro...
Grande Douglas,
ResponderExcluirConcordo com a relação histórica entre barbárie/projeto progressista. Há algo de pendular.. Mas, também fica a lógica da espiral: a história caminha, agregando, desagregando, decompondo... Tudo que é sólido desmancha no ar.
Só não considero que a luta por hegemonia se foi. Ela prossegue....Talvez realmente há muito tempo não vivíamos um período tão árido. Os responsáveis? Não sei se coloco exclusivamente no "outro lado", nos detentores do capital e nos seus "fast thinkers" e wardogs de sempre. Penso que parte da responsabilidade tb cabe do lado de cá. A esquerda se tornou preguiçosa intelectualmente e com baixa capacidade de diálogo com os grupos e classes sociais. Se contentou com a realpolitik. Pela própria realpolitik foi defenestrada.
Sem querer ser ingenuo ou infantil, talvez seja justamente nesse cenário que podem surgir proposições novas, atraentes... Suficientemente atraentes que possam nascer blindadas aos ataques de todos aqueles que ganham muito com uma sociedade francamente desigual.
Quem viver verá. Foi assim pós 1789, 1917, 1929, 1964, 1989.... Só não desanimemos. O velho Lukács fazia uma crítica bastante dura ao pessoal de Frankfurt: viviam no "Grande Hotel Abismo". Construções teóricas ricas, sofisticadas, todas posicionadas em um olhar que só conseguia vislumbrar o inferno fora da janela.
Deduzo de sua lógica que a esquerda (assim como as mulheres vítimas de violência) deve se culpada pelo seu comportamento, que justificaria as agressões sofridas.
ResponderExcluirÉ a velha criminalização da vítima.
A crítica do velho Lukács é correta, embora desfocada: Os hóspedes do Grande Hotel do Abismo é a esquerda-alice, ou os engenheiros de obras prontas, a enxergar o "inferno" no pragmatismo necessário a governabilidade.
Só erra quem faz, salve Lukács...
Douglas,
ResponderExcluirDe forma alguma.... Não considero que agressões contra a esquerda tenham qualquer justificativa.
Considero, em verdade, que houve uma profunda dificuldade dos grupos situados no espectro político de esquerda conseguirem construir estratégias argumentativas de convencimento que fossem suficientemente eficazes. Inclusive não considero grupos políticos com capacidade de articulação "vítimas" de coisa alguma, algo que acho cabível no debate de gênero...
Em suma: a esquerda não soube se oxigenar nem pra dentro e nem pra fora... Para dentro no trabalho contínuo da crítica incessante que desse conta de compreender o real... Para fora, nas estratégias de comunicação com o cidadão mediano. Até pq, não precisamos convencer as vanguardas. Estas já sabem quem é o inimigo. O problema são os outros...
Por fim, acho que os hóspedes do Grande Hotel Abismo são estes que vc enumerou.. Mais alguns outros tantos...
George, as vanguardas não sabem nada porque se descolaram do resto. foi justamente das vanguardas, seja em 64 ou agora, que ouvimos o coro moralista com os conservadores.
ResponderExcluirSua argumentação sobre a (in)capacidade da esquerda que governa em comunicar e oxigenar seu discurso fornece, sim, capital ou munição para culpabilização dos golpeados pela existência do golpe.
O PT e a Democracia brasileira foram golpeados porque começavam a se deslocar dos limites impostos pelo Capital.
Caíram pelos acertos e não pelos erros...
O que faltou, talvez, fosse a compreensão (ou humildade) de que o simples fato de estar no governo não lhes conferia a iniciativa de pautar a mídia ou provocar sua adesão pelos meios institucionais.
Em países onde houve enfrentamento, e talvez até um acirramento, buscando formas diretas de interlocução com a população o resultado foi o mesmo:
Seja com Requião no Paraná (2008), que desidratou as verbas oficiais a mídia comercial e fortaleceu os canais públicos, e foi massacrado nas urnas, seja com os Kirchner ou Maduro (Nicholás).
O paradoxo insolúvel é que não se reforma nada dentro dos limites de regras feitas para conservação, meu caro, esse é nosso entrave histórico...
Acho muito bom a discussão saudável onde há respeito entre as opiniões nem sempre contrárias.
ResponderExcluirHumildemente acredito mudanças a longo prazo, uma vez que estamos diante de uma crise generalizada onde estão: a moralidade e a necessidade em conflito !
Eu sei que nada justifica a desonestidade, mas observemos os necessitados com os pratos vazios! O Poder público é privado pois s classe política é egoísta aos extremos, não há empatia perante o sofredor.
Como mudar senão pela conscientização de todos? E como fazer isso se não há mobilização efetiva embora boa vontade de escolher melhor em quem votar.
Resta agora termos boas opções para os votos...
Continuem os debates ! Estaremos aprendendo os aspectos filosóficos e sociais ao longo da História...Sem direita nem esquerda porém em alguma direção.
Sérgio Máximo