segunda-feira, 17 de outubro de 2016

PEC 241 e seus contornos

PEC 241 e seus contornos*

George Gomes Coutinho **

Na última segunda-feira a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno a PEC 241. Não é o final do debate. Foi apenas um primeiro round. Certamente uma vitória governista importante, mas, ainda foi só a primeira grande batalha do governo Temer neste campo.

Em um cenário desta magnitude salta aos olhos do analista uma torrente de elementos. Neste texto não poderei aprofundar todos eles, apresentar os detalhes que seriam necessários para uma análise com pretensões definitivas. Contudo, penso ser viável pontuar algumas questões. A PEC 241, onde o eufemismo asséptico chama simplesmente de “reforma fiscal”, não é pouca coisa. Caso aprovada em definitivo, ela irá reestruturar políticas sociais e atividades “fim” do Estado por nada menos que nos próximos 20 anos. Quando digo “reestruturar”, estou querendo dizer que pode não haver investimento real. O texto recomenda a atualização das cifras em acordo com a inflação do ano anterior. Ou seja, na prática, a chamada “Constituição Cidadã” de 1988, que jamais alcançou sua plenitude factual por buracos diversos de regulamentação, torna-se simplesmente uma bela e ficcional peça histórica.

O argumento conjuntural em defesa da PEC se concentra no tamanho de nossa dívida pública e as medidas ambicionam priorizá-la enquanto esforço de Estado. Ou seja, a partir de um argumento construído no curtíssimo prazo são traçadas ações que engessam médio/longo prazos. Igualmente trata como sinônimos gastos e investimentos, dado o nome midiático propagado, a “PEC dos gastos”. Confundem alhos com bugalhos e operam uma constrangedora redução de complexidade onde as pastas de saúde e educação, dotadas de especificidades diversas, são colocadas em pé de igualdade com outras demandas de naturezas particulares.

Por fim, há três ruidosos silêncios sobre o nosso curtíssimo prazo convenientemente ignorados. O primeiro envolve a nossa taxa de juros que incide não só sobre a dívida pública, mas, igualmente afeta famílias, empresas, etc.. O segundo ponto é sobre a proteção deliberada ao topo da pirâmide social. O terceiro é sobre quem está escalado para pagar a conta. O último grupo, que inclui classe média assalariada e trabalhadores em geral, só por vezes é lembrado.
   

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 15 de outubro de 2016

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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