Ecos
do garotismo *
George
Gomes Coutinho **
Nestes dias que antecedem as
eleições municipais de 2016 tomei o cuidado de retomar as entrevistas
realizadas pela Folha da Manhã com os candidatos que disputam a prefeitura de
Campos. Há nuances evidentes de estilo e diferenças nas propostas. Não obstante
as inegáveis variações, encontrei a onipresença de um personagem fundamental em
pouco mais de três décadas na política local: Anthony Matheus, o Garotinho.
Entre os discursos apresentados
nas entrevistas neste jornal, não há quem não faça referência aos elementos
simbólicos, culturais e práticos da maneira de fazer política de Garotinho. Gostemos
ou não, o garotismo se tornou estruturante. A questão neste âmbito que
diferencia os aspirantes a prefeito é se estes consideram as conseqüências do
garotismo uma herança louvável ou se devemos avaliar que se trata de algo
nefasto.
Irei simplificar as duas opções postas. Os
defensores confessos do legado do garotismo, cada vez em menor número dentre a
opinião pública, tentam recauchutar o modus operandi do clientelismo que tomou
parte de todas as classes sociais em âmbito local. Não sejamos ingênuos. Não
desconsiderando a primeira eleição de Garotinho para a prefeitura, onde as
oligarquias locais foram feridas de morte, o sucesso eleitoral posterior do
garotismo e de seus continuadores encontra no clientelismo transclassista uma explicação
de peso. Parcela dos empresários, profissionais liberais, pobres das
periferias, dentre outros, mantém sua sobrevivência vinculada ao conjunto de
concessões, contratos e políticas sociais deste orçamento municipal que é dos
mais pujantes de todo o país.
Já no anti-garotismo há a
promessa de modernização do aparato público municipal, apostando nas
necessárias medidas que ampliem a transparência e promovam boa governança. Propostas
mais ousadas prometem o enfrentamento da lógica do clientelismo, seja
incrementando o critério de impessoalidade ou se engajando no empoderamento de
amplos setores da sociedade. Cabe pensarmos se estas propostas não encontrarão
forte resistência mesmo que ansiadas. Os ecos do garotismo na Campos profunda tendem
a não evaporar com o rito das eleições.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 01 de outubro de 2016
** Professor
de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
George, já falamos agora com o novo-velho prefeito eleito:
ResponderExcluirVocê realmente acredita que um candidato que construiu sua plataforma no moralismo hipócrita anti-política, alavancado pela franquia local da República do Paraná, e vocalizado pelo pig local, vá realizar o "empoderamento" de quem quer que seja, e vá modernizar algo, meu caro amigo?
Não, eu não acredito que você acredite num troço desses, só pode ser uma ironia tão fina, tão sofisticada que ninguém conseguiu entender!
Querido Douglas,
ResponderExcluirPara ser radicalmente honesto, como estamos acostumados, não sei realmente de nada em termos empíricos. Me acovardei com análises ex post facto sinceramente. Eu já me trai tantas vezes com minhas análises futurológicas que hoje tomo muito cuidado. Botei o galho dentro e tomo meus cuidados com isso.
A única coisa que consigo perceber é que há questões profundas que não se solucionam com ritos de qualquer natureza. Muito menos os eleitorais.
O real é complexo. Algumas cartas são estruturalmente distribuídas. Outras dependem das contingências. Nesse caso, mais fortuna que virtú.
Abçs
Meu amigo, o fato é irremediável: A eleição do coxinha-jacobino é a representação local da morte da política!
ResponderExcluirDouglas,
ResponderExcluirEu desconfio que exista uma mudança importante na maneira de se fazer política, digo isso em termos de práticas... Não sei se é a morte. Não ainda.
O que todos concordamos é que a democracia representativa liberal, com seu caráter de "baixa intensidade", está fazendo água em diversas realidades. Assim que compreendo o grande momento da direita e do reacionarismo que se apresentam sedutores para o cidadão médio.
No caso campista, defendo que as consequências deste primeiro turno sejam acompanhadas com atenção, cautela... Campos não é uma cidade qualquer como bem sabemos. O garotismo conseguiu desidratar a bipolarização que ocorreu no Brasil. Enquanto PT e PSDB, que apresentam projetos de sociedade diferentes, deram o tom das eleições nacionais, Campos viveu seu autismo entre continuadores e pretensos críticos da forma de fazer política de Garotinho.
Me parece que neste momento haverá uma reacomodação das peças do tabuleiro. Isso, na minha modesta ótica, sabendo que se trata de uma sociedade cujo sistema político se encontrava simplesmente ossificado, não é pouca coisa. Mas, vamos acompanhar. no meu caso com algo de prudência.... No seu caso, pelo que entendi, com um ceticismo caustico amplamente justificado.
Caro George,
ResponderExcluirConcordamos em tudo, exceto na sua prudência...
Sei, sei, sei que você capitulou frente a "futurologia", e compreendo sua cautela.
Mas ora bolas, o que é a ciência (humana) se não observação do fenômeno (sempre passado, se quisermos uma visão linear no tempo) para trazer perspectivas futuras a partir da explicação desse próprio passado (fenômeno)?
Então abriste mão da essência da sua atividade?
Desculpe minha arrogância ignorante...
Bem, no meu empiricismo tolo, lhe digo: se tem cara de porco, focinho de porco, pé de porco, ou é porco ou é feijoada...
A sua descrição sobre a fossilização da política em Campos dos Goytacazes nos traz a possibilidade de ler com clareza o que nos aconteceu, assim como em outros lugares:
O desencanto com a fossilização garotista (aqui na planície) ou as hipossuficientes densidades representativas da democracia liberal polarizada (seja entre PT ou PSDB, Democratas ou Republicanos, Conservadores e Trabalhistas) levam às formas totalitárias de manifestação discursiva e pragmática, ainda que reivindiquem a "nova política" (que sabemos todos, é a anti-política).
E por ironia (ou não) o cara é neto e herdeiro da oligarquia mais atrasada que, também fossilizada a seu tempo, nos legou o garotismo!
A montanha pariu um rato!
Douglas,
ResponderExcluirAcabou que me embolei e não respondi antes alguns pontos que vc comentou...
1) Olha, nas ciências sociais o compromisso é mais em compreender o presente. Claro que arriscamos tendências, de forma menos arrogante que os economistas do mercado.... Mas, são tendências justamente pela história não ser "circuito fechado". Na verdade, quanto mais tento compreender os elementos que constituem a trajetória humana, nesse sentido o pessoal da Escola dos Anais é fantástico em abrir nossos olhos, mais contingências são encontradas.. e mais covarde eu fico em arriscar qualquer coisa sobre o que virá. Mas, como te digo, fico corado com a arrogância de parte dos economistas. Por vezes até vejo afinidades eletivas entre economia e astrologia pelas posturas que vejo na grande mídia;
2) Realmente vc está coberto de razão. É impossível dissociar o que andam chamando de "nova política" (o que inclui a eleição de Doria em SP no primeiro turno de SP) de uma conjuntura que objetiva simplesmente pulverizar a forma moderna de fazer política. Mas, não nos enganemos, parte das raízes disso já estavam plantadas lá naquele junho de 2013. Se a guinada seria algo do tipo "Podemos" ou algo mais próximo de uma reedição do fascismo, aí dependeria de uma série de questões... Até agora nada de "Podemos" como bem sabemos...