sábado, 5 de novembro de 2016

Hillary, Trump e o vira-latismo

Hillary, Trump e o vira-latismo *

George Gomes Coutinho **

A maneira pela qual parte da grande mídia nacional tem acompanhado as eleições norte-americanas não tem conseguido superar os cacoetes da sociedade do espetáculo. A estética dos reality shows simplesmente é transposta para o noticiário político sem grandes adaptações. Tudo se passa como se fosse uma corrida de cavalos onde apostadores ávidos tentam praticar o risível exercício de adivinhação antevendo qual dos candidatos ganhará.  Neste ínterim, chamadas na programação da TV brasileira apresentam o maniqueísmo como elemento demarcador, onde supostamente Donald Trump seria o “mal” e Hillary Clinton representante do “bem”, com tudo entremeado por teatralização, chistes e comentários nonsense.

Porém, fiquei pensando se haveria algum tipo de aprendizado para o eleitor brasileiro neste contexto das eleições que transcorrem no Grande Irmão do Norte.

Uma das primeiras coisas que me ocorrem é a oportunidade, até agora desperdiçada, de enfrentarmos nosso vira-latismo. O brasileiro comum sofre da síndrome da jabuticaba auto-depreciativa: acredita que nossos males são únicos, só encontráveis aqui. Nossa classe política é a pior, nossas instituições são um lixo e pedidos emocionados de intervenção yankee por vezes são apresentados no espaço público.Também poderia ser exorcizada a idealização da sociedade norte-americana como “the land flowing with milk and honey” ou, em outros termos,  um paraíso terrestre construído pela sociedade de mercado onde se vende rifles no supermercado.

Os ataques pessoais, flertando com o baixo calão, mostram que a baixaria não é um privilégio da política brazuca. Mesmo em países centrais este tipo de prática ocorre, sendo a disputa Trump/Clinton só um exemplo dentre outros tantos.  Ao mesmo tempo o vazio propositivo do populismo de Trump, temperado com xenofobia, sexismo e preconceitos em geral, diz muito sobre o “americano médio”. A arrogância imperial não encontra em Trump um fenômeno isolado. Na verdade, o republicano dá voz e personifica parte daquela sociedade. Voltando ao eleitor brasileiro, cabe pensarmos se ainda vamos insistir nos EUA como meta a ser seguida, disseminada e imitada. Por tudo que disse, espero sinceramente que não.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 05 de novembro de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

Nenhum comentário:

Postar um comentário