domingo, 25 de junho de 2017

Democracia, redistribuição e o Brasil

Democracia, redistribuição e o Brasil *

George Gomes Coutinho **

Retomando a compilação de textos basilares da imaginação política norte-americana, os “Federalist Papers” elaborados no século XVIII por Alexander Hamilton, James Madison e John Jay, nos deparamos com uma questão fundamental: a democracia política se defronta necessariamente com a desigualdade de distribuição de recursos. O trio norte-americano reconhece que a despeito da igualdade etérea do judaísmo-cristão, onde todos(as) são filhos(as) de Deus, ou do abstrato princípio do direito civil que defende que todos(as) seriam iguais perante a lei, a propriedade é alocada de forma distinta entre os grupos sociais. É uma interpretação pragmática e materialista das sociedades modernas. Assim, a democracia política seria o caminho pacífico para resolução de conflitos em uma estrutura social que é intrinsecamente desigual. As sociedades modernas não se tornam rachadas. Elas são estruturalmente divididas.

Ao mesmo tempo há um elemento subversivo nas democracias modernas na medida em que obrigam os diferentes grupos ao diálogo. As pressões de redistribuição da riqueza socialmente produzida convivem nesta ágora com as reivindicações de manutenção de privilégios e de maior acumulação. Todavia as tomadas de decisão, seja pelo atendimento das pressões de um lado ou de outro, dependem daquilo que no jargão costumamos chamar de “correlação de forças”. Grupos pró-redistribuição são atendidos dependendo da conjuntura, de sua capacidade de articulação e da formação de consensos. Já os que defendem um projeto onde a acumulação de riquezas seja ainda mais notório ganham o debate pelas mesmas razões.

A partir desta chave de interpretação podemos ligar os pontos aparentemente dispersos da conjuntura política brasileira nos últimos anos. Até a “era das commodities”, onde houve a entrada abundante de recursos no país, se criou a ilusão de que seria possível mudar as nossas estruturas sem lidar com a nossa questão redistributiva. Ledo engano. Bastou termos a modificação do cenário econômico internacional para vermos o ressurgimento de propostas, as “reformas”, que reforçam o status quo de uma das sociedades mais desiguais do planeta.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 24 de junho de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes




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