Nossa sociedade de castas*
George
Gomes Coutinho **
“Au Brésil, un air de société de castes”. Assim o jornal francês Le Monde avaliou a sociedade brasileira
no último dia 16 a partir dos dados fornecidos pelo The World Inequality Lab (Laboratório da Desigualdade Mundial) em
seu relatório sobre a situação da distribuição/concentração de riquezas no
mundo. Na interpretação dos autores da matéria do jornal francês: “No Brasil,
um ar de sociedade de castas”.
Tomando a costumeira Índia, que
se mantém enquanto caso exemplar de uma sociedade de castas no imaginário
ocidental, neste tipo de estrutura não há mobilidade social. Ou seja, elementos
culturais e simbólicos tornariam impossível o indivíduo ocupante de uma casta
inferior transfigurar-se em membro de uma casta superior. E mesmo as novidades
societárias contemporâneas não fazem ainda com que um raríssimo empreendedor indiano
“sem casta”, não obstante ter se tornado rico, escape totalmente do seu destino
original.
A brevíssima lembrança de antropologia
básica foi apenas para fins didáticos. Afinal, suponho que para os franceses considerarem
nosso país como uma “sociedade de castas” há excelentes razões e elas estão no Relatórioda Desigualdade Mundial (World Inequality Report) publicado pelo World
Inequality Lab. Os números apontam o Brasil como o primeiro do ranking em
concentração de riquezas nas mãos de pouquíssimos. Trata-se da fatia 1% mais
rica detentora de 27,8% de toda a riqueza nacional. Este quadro faz com que o
país supere até mesmo países do Oriente Médio, o que inclui evidentemente o
Iraque com seu 1% mais rico abocanhando 22% da renda nacional.
A concentração de renda, que
talvez até apresente hoje percentuais mais alarmantes dado que o período analisado
compreendeu entre 2000 e 2015, produz inegáveis efeitos amplamente negativos na
sociedade como um todo. Podemos afirmar que o abismo existente entre o topo da
pirâmide e os setores intermediários e inferiores, para além da óbvia
desigualdade de acesso a bens e serviços, torne qualquer discurso de ascensão
social fictício em um cenário de distância social intransponível. Algo muito
próximo do que imaginamos ser uma sociedade de castas.
* Texto publicado em 23 de dezembro no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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