sábado, 10 de fevereiro de 2018

Os pés de barro do judiciário

Os pés de barro do judiciário*

George Gomes Coutinho **

É muito pouco provável que na atual conjuntura qualquer um(a) no Brasil não tenha recebido informações acerca da atual polêmica dos auxílios-moradia para membros “especiais” do judiciário. A mídia oligopolista, ou simplesmente a “grande mídia” (um punhado de empresas com predominância discursiva e simbólica sobre todo território nacional), optou por reverberar essa questão com estardalhaço em editoriais, análises comparativas e colocando seus mais ruidosos agentes para falar, tal como papagaios, sobre a questão. Escândalo fabricado.

Evidente que o judiciário só poderia ser um “judiciário da sociedade” na medida em que seus membros são recrutados aqui e não em Saturno ou no Éden. Em outros termos, seria pouco provável que todos os vícios e virtudes desta sociedade não seriam encontráveis no judiciário. Assim como também no mercado, no Estado de maneira geral, na política, Forças Armadas, na sociedade civil, nas religiões institucionais, etc..

Voltando ao judiciário, as informações acerca de determinados auxílios injustificáveis, aos quais, diga-se de passagem, determinados membros deste poder abdicam voluntariamente, também não são novidade nesta que é uma das sociedades mais desiguais do planeta Terra. Oras, os pés de barro são conhecidos por qualquer cidadão(ã) minimamente atento(a) há bastante tempo. Contudo, cabe perguntarmos: por qual razão só agora a grande mídia decidiu mostrar a nudez de seus ídolos perecíveis? Ainda mais no caso da generalização do auxílio-moradia, uma medida que entrou em vigor em 2015. Informo para quem me lê que estamos, não se espantem, em fevereiro de 2018. Demorou um pouco para saírem do silêncio ruidoso não é?

A conjuntura lida com um fato marcante após os 3 X 0 de Porto Alegre: a condenação de Lula que pode levá-lo para a cadeia. Se a grande mídia não é monolítica, e nunca foi em virtude de suas fraturas e disputas internas, não é exagero afirmar que Lula e sua candidatura anti-sistêmica (ma non troppo) fora do baralho atendam a objetivos hegemônicos dos que sustentam o discurso midiático. Talvez a crítica tardia da mídia ao judiciário não obedeça a fins tão republicanos como gostariam algumas de suas impolutas sereias.

* Texto publicado em 10 de fevereiro de 2018 no jornal Folha de Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.

** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes


Nenhum comentário:

Postar um comentário