Quem pragueja contra o comunismo sabe o que é liberalismo? (parte 1)
Por Paulo Sérgio
Ribeiro
Nestes dias que parecem durar
décadas, tornou-se corriqueiro vermos nas redes virtuais textos e imagens
depreciativos do comunismo ou do socialismo tomado como seu sinônimo. Quem o
faz assume, em regra, um posicionamento contrário ao Partido dos Trabalhadores
e aos demais partidos situados à esquerda no espectro político, aos
movimentos populares e aos coletivos criados a partir de pautas identitárias.
Neste 2º turno da corrida presidencial, tal posicionamento é francamente
pró-Bolsonaro, uma vez que ele personificaria uma luta bíblica contra o
"perigo vermelho".
Os alardes sem pé nem cabeça em
torno do comunismo apenas confirmam que estamos imersos numa geleia geral em
que muitos ignoram o que desejam - um governo autoritário - e desejam o que
ignoram - a violência física arbitrária contra qualquer um(a) que pratique o
dissenso. Nesta circunstância, existe a tentação de recairmos na condição de escravos
que Platão, magistralmente, descreveu em "O Mito da Caverna", já que
podemos muito bem confundir a nós mesmos com as sombras que projetamos em
nossas bolhas na Internet. Sim, concedo, é muito difícil a esta altura dos
acontecimentos pararmos para esmiuçar quais critérios adotamos para defender ou
atacar uma visão de mundo. O tempo urge.
Mas, como nos ensina o metodólogo
Pedro Demo, se ideologia "esperta" é aquela que não diz que o é,
penso ser oportuno analisar a luta ideológica da qual não podemos nos retirar por decreto. Faço isso sem querer devolver aos bolsonaristas o mesmo tom
agressivo com o qual tratam a nós, democratas, para demarcar o seu lugar
no mundo ou, melhor dizendo, para se safar das fobias que têm por viver em um mundo cujas mudanças não compreendem. Fazê-lo somente os incitaria a reforçar sua posição, já que muitos deles são, além de eleitores,
"seguidores" de Jair Bolsonaro e este equipara-se ao seu eleitor
médio numa verdadeira simbiose. Ademais, foi-se o tempo que os postulantes ao
cargo público de maior autoridade da nação desempenhavam uma função pedagógica
na articulação do discurso político. Talvez o presidenciável Ciro Gomes fosse o
mais preparado neste quesito, mas tirou férias do Brasil...
É muito curiosa essa fixação dos
eleitores/seguidores de Bolsonaro com o tema do comunismo. Pasmem, até a minha
mãe passou a se preocupar com ele! Desculpem, já me alonguei demais nessa
introdução.
A pergunta é "simples":
quem pragueja contra o comunismo sabe, afinal de contas, o que é liberalismo?
Em ciências sociais, sabemos que
os "ismos" comportam diferentes linhagens de pensamento e que seus
cruzamentos podem transgredir o significado compartilhado em seu contexto de
origem. Comunismo e liberalismo têm o seu grão de verdade e se fosse para
arriscar uma síntese, escolheria para o primeiro a célebre frase de Karl Marx:
"De cada um, segundo suas capacidades; a cada um, conforme suas
necessidades". Já para o último, bem poderíamos ficar com
Ortega & Gasset ao interpretá-lo como o "direito assegurado
pela maioria às minorias e, portanto, o apelo mais nobre que ressoou no
planeta... A determinação de conviver com o inimigo e ainda, o que é mais, com
um inimigo fraco". Trocando em miúdos: o aprendizado coletivo para lidar
com frustrações diante de resultados eleitorais desfavoráveis sem pôr a perder
as instituições que garantem, como prêmio à tolerância ao adversário, uma nova chance na eleição seguinte.
De 2016 para cá, constatamos com
sangue derramado (Marielle Franco e Anderson Gomes, Moa do Katendê) que estamos
longe de consumar tal aprendizado e, provavelmente, esse déficit de consciência
democrática continuará a cobrar o seu preço enquanto não reabilitarmos o debate
público. Desse modo, creio que discutir o liberalismo seja um convite ao
diálogo destinado àqueles(as) que votam em Bolsonaro. Por quê? Simplesmente,
porque o seu programa de governo, bem como o de Fernando Haddad, transigem em
diferentes pontos com essa tradição do pensamento político, ao contrário do que
uma oposição estanque "Comunismo/Socialismo versus Liberalismo/Capitalismo"
faz crer a partir do vazio de pensamento que nos engole nesta época em que
todos falam e ninguém se escuta.
Vou limitar a comparação ao tema
da educação. Não se trata de uma escolha aleatória. Ora, ainda que quiséssemos
retroceder à versão mais ortodoxa do liberalismo que resumisse a vida social à
manutenção da ordem legal dos contratos e da segurança pública – o velho “Estado
vigia noturno” -, ainda assim, a educação seria dotada de centralidade na
concepção/execução da política estatal, pois, ensina-nos T. H. Marshall em seu
clássico “Cidadania, classe social e status”
(1967), a autonomia civil que o liberalismo preconizou para o indivíduo
moderno – empreender suas aptidões e habilidades por sua conta e risco em uma
economia de mercado – só se faz efetiva por meio dos instrumentos da educação escolar.
Não se justificaria, portanto, temer a ação direta do Estado nesse setor da política pública. Esta intervenção estatal não poderia ser tomada por constrangimento e restrição
ao curso da ação desejado por alguém, pois o direito social à educação refere-se tanto a
uma responsabilidade individual (educar-se) quanto a uma responsabilidade
coletiva (educar as gerações futuras), o que vincula a ideia de autonomia civil com a dimensão cívica da cidadania – a capacidade de agir solidariamente para cumprir
o dever público de homens e mulheres adultos terem sido educados para o
exercício da livre escolha. Noutros termos, qualquer pretensão de atrelar a noção
neoliberal de “Estado mínimo” à educação escolar seria, no mínimo, uma
impropriedade.
Até aqui, creio que lançamos as bases para uma comparação das agendas educacionais propostas por Bolsonaro e Haddad, que será desenvolvida na segunda parte desse texto (a ser publicado).
Até aqui, creio que lançamos as bases para uma comparação das agendas educacionais propostas por Bolsonaro e Haddad, que será desenvolvida na segunda parte desse texto (a ser publicado).
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