terça-feira, 16 de outubro de 2018

Os ardis da autocrítica pregada aos outros


Pichações nazistas em uma igreja católica de São Pedro da Serra, distrito de Nova Friburgo/RJ.

Os ardis da autocrítica pregada aos outros

Por Lara Luna da Silveira*

Li algumas críticas pertinentes sobre a responsabilidade da esquerda e a falta de autocrítica do PT no fenômeno de adesão em massa a Bolsonaro e, cercada de pessoas que votam nele, tenho convicção para afirmar que, de fato, "aquela tia" ou "aquele colega" não são fascistas, mas convictamente antipetistas.

O mesmo cuidado que pedimos para não misturar "comunismo" com PT (e mesmo com toda preguiça de ver o nome Venezuela e "ditadura petista" em memes que "viajam na maionese") estou tentando ter para não encaixar qualquer um, dentre quase 50 milhões de pessoas, no rótulo de fascista. Se tem mulher, negro, pobre e gay votando nele, no mínimo, tenho curiosidade em entender essa adesão.

Dito isto, acho que a ojeriza à corrupção não explica tudo. Não sabemos o percentual de eleitores que estão votando porque ele é um "mito" que fala aquilo que querem ouvir; nem dos eleitores que votam "apesar do que ele fala", a título de voto de veto.

Fato é que também vejo pessoas como eu, que não queriam o PT no segundo turno, que queriam que o PT reconhecesse que não é só vítima de interpretações enviesadas, de difamações, mas que também permitiu e cometeu não apenas erros de estratégia eleitoral, mas inclusive corrupção, que é sim um problema sério. Mas a coisa é complexa. Não caio no maniqueísmo de odiar o PT, porque apesar de seus erros foi, para mim, de longe o governo que mais tentou incluir pessoas e enfrentar as desigualdades sociais. Também é um problema sério, muito sério aliás, ter gente passando fome. A minha crítica ao PT, assim entendo, passa longe de ser esse antipetismo que vocifera nas redes. Prefiro fazê-la entre aqueles que estão ainda mais à esquerda que a socialdemocracia adotada pelo partido, porque tentamos sair desse lugar comum e repetido de falar em corrupção, considerando haver todos os incentivos estruturais para que ela não acabe e que candidato nenhum vai "dar jeito" nela nem "messianicamente".

Há, assim, quem vai votar no Haddad no estilo "apesar de" também (particularmente, gosto muito de sua biografia, admiro-o muito enquanto político).

Mas, agora, chego aonde quero: apesar do voto de veto, o que mais tem pautado a disputa é o argumento moral. E aí o antipetismo vem agregando “fake news”, ignorância e maledicência. Não falo isso porque estou do outro lado trincheira, sei que há “fake news” do lado de cá também. Mas já é sabido o quanto a campanha do Bolsonaro tem sido feita pura e simplesmente pelas redes, particularmente pelo Whatsapp, com apoio de especialistas que sabem como gerar medo. Medo de sermos uma Venezuela, medo de seu filho ter que dividir banheiro com transexuais, medo do comunismo, medo de andar desarmado. Não importam os debates, não importam os projetos estruturais (economia, educação, saúde, saneamento, etc.), não importa a experiência em gestão. Não importa nem saber o que era, de fato, o projeto "Escola sem homofobia".

Isso explica a adesão de religiosos. Não porque a preocupação maior seja com a mensagem de paz, que se escandaliza com a apologia à tortura. Mas porque a regulação da sexualidade ainda é hoje instrumento de biopolítica, de controle de corpos não só dos integrantes das nossas famílias, mas de todos aqueles que atravessam a rua. Por isso, a violência física a certas minorias, apesar de vir de uma parte restrita do eleitorado, encontra-se no mesmo candidato catalisador do voto daqueles que são contra a agressão física, mas que não acolhe a diversidade por motivos de ordem moral. O candidato não era o único antipetista disponível. Era o que, em nuances diferentes, conversava sim com a mentalidade de muita gente, "apesar de...".

Não quero que o medo nem o ódio pautem as decisões da minha vida, mesmo sabendo que os tenho. Meu voto é, assim, uma decisão racional, de posicionamento de valores. Considero-me mais liberal "raiz" em muitos quesitos que muita gente que se diz de direita: não quero o Estado cerceando direitos civis. Entretanto, quero-o provendo direitos sociais porque não somos nenhum país de Primeiro Mundo que possa abrir mão disso. Choca-me termos milhões de analfabetos e uma proposta de ensino à distância para crianças não chocar as pessoas! Como alguém no meio da caatinga sem um livro vai acessar o ensino "à distância"?! Mas aí eu entro na pauta estrutural e o que vale é discutir o "sexo dos anjos"!

Esse "textão" chato vai ser jogado em resposta a todo mundo que vier com o papo de "mas o PT isso...". Eu também sei votar movida por valores, "apesar de"...

* Doutora em Sociologia Política (UENF).

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