Lula, o nosso Dreyfus
Por Paulo Sérgio Ribeiro
Há quase um ano, Lula está preso. Ou,
precisamente falando, sequestrado pela Justiça Federal e mantido refém na
Polícia Federal com sede em Curitiba/PR. “Não força!”, dirão alguns(as) em nome
de suas inclinações contrárias ao Partido dos Trabalhadores (PT) ou, quiçá, movidos
por um ódio inoculado da política profissional – notadamente, quando vista à
esquerda no espectro político – a ponto de se tornarem presas fáceis do
punitivismo na aplicação do Direito.
Um fato: a condenação de Lula ocorrera
sem provas e com flagrante cerceamento do direito de defesa. Dizê-lo, a esta
altura, é mais que redundante.
Sabemos que é sempre bom evitar argumentos
de autoridade na construção do próprio argumento, mas, no que tange à dimensão
técnica da “prisão” de Lula, contento-me em lembrar a exposição que o eminente professor
de Direito Penal da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Afrânio
Silva Jardim, fez de suas crassas inconsistências tanto em relação ao “triplex
do Garujá” (aqui) quanto ao “sítio de Atibaia”(aqui),
os causos jurídicos em questão.
Não seria para menos.
Considerando seu didatismo para com o público
leigo, tomar Afrânio por referência me livra do papel de rábula[1] e, tão logo, permite-me
dialogar a partir de um ângulo pouco afeito ao código de análise dos operadores
do direito: a resiliência da personagem pública “Lula” na luta simbólica mesmo
depois de todo o cerco à atuação da maior liderança nacional que, gostem ou
não, temos.
Neste sentido, a alusão ao "caso Dreyfus" na imagem que abre o nosso texto não é aleatória. Quanto à imagem em si, trata-se da carta aberta intitulada "Eu acuso!", escrita por Émile Zola, romancista e ativista político francês, publicada no jornal L'Aurore em 13 de janeiro de 1898.
Nessa carta, destinada ao
presidente Félix Faure, Zola denuncia oficiais militares pela acusação
inverídica de traição e espionagem dirigida ao capitão Alfred Dreyfus. A Dreyfus,
um oficial francês de origem judaica, foi imputada a revelação de segredos
estratégicos em carta supostamente remetida a Schwartzkoppen, adido militar
alemão.
Dreyfus fora acusado de “alta
traição” em outubro de 1894, para ser preso em novembro do mesmo ano e
condenado em janeiro de 1895 ao degredo na Ilha do Diabo. Passados dez anos de
trabalhos forçados ao lado de criminosos barra pesada na ilha
que fazia jus ao nome, desvendou-se a trama urdida contra o capitão francês: o
major Walsin-Esterhazy, por ordem do seu superior, Coronel Sandherr, forjou a
letra de Dreyfus na correspondência criminosa a qual procedera.
Dreyfus fora inocentado em 1906,
tendo sido reintegrado ao Exército francês com a medalha de Legião de Honra.
Qual paralelo é possível entre o
caso Dreyfus e o caso Lula?
Feitos os devidos reparos
contextuais, em ambos os casos vemos: a) o alcance que um erro judiciário pode ter quando
a “razão de Estado” se sobrepõe à segurança jurídica, um princípio basilar
do moderno Estado de direito; e b) a perda de equilíbrio da imprensa e do judiciário que faz emergir a figura do “inimigo da nação” – uma espécie de bode expiatório para
crises econômicas e tensões sociais que obrigam todos(as) a posicionar-se no
entrechoque de forças progressistas e reacionárias.
Na França da virada do século XIX para XX, temos, de um
lado, republicanos liberais e forças de esquerda e, de outro, uma direita
reacionária amalgamada com as Forças Armadas e a Igreja que se confrontavam pela
definição mesma de qual regime político a França deveria seguir (monarquia
ou república?), tendo por pano de fundo o crescente antissemitismo que encontraria na
condenação de Dreyfus o seu aval e que explicaria, em certa medida, o
“colaboracionismo” durante a ocupação alemã na Segunda Guerra Mundial.
No Brasil dos anos 2010, somos forças progressistas de
variado matiz ideológico e programático desafiadas a dialogarem entre si para disputar a hegemonia ante as fissuras do bloco de poder
formado com a ascensão da extrema-direita e a integração da caserna militar no
primeiro e segundo escalões do Governo Federal. O pano de fundo? A criminalização
da política cuja expressão mais bem acabada é o acossamento de Lula a partir da Operação Lava-Jato e,
arriscaria dizer, o “colaboracionismo” redivivo nas instituições de ensino que, embebido pelo novo "normal" jurídico que a Lava-Jato instaurou, toma vulto sob o governo
de ocupação de Jair Bolsonaro.
De lá
para cá: ódio aos judeus na França de Dreyfus; ódio aos pobres no Brasil de
Lula; e, sobremaneira, ódio incontido a tudo o que ambos, ao seu modo e
circunstância, representam para a afirmação de um
destino comum.
Fonte consultada:
“Caso
Dreyfus: Eu acuso!”, de Leonardo Isaac Yarochewsky. Acesso: http://www.justificando.com/2017/06/09/caso-dreyfus-eu-acuso/
[1]
Uma definição de rábula é oferecida em Jusbrasil. Acesso: https://espaco-vital.jusbrasil.com.br/noticias/2089441/afinal-o-que-e-rabula
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