quarta-feira, 22 de abril de 2020

O que sugerir numa hora dessas? – dicas em quarentena



Prólogo


Esta é uma carta com sugestões para a quarentena que fiz para meus alunxs de Ciências Sociais na UFF-Campos dos Goytacazes. A demanda me chegou pela galera do Centro Acadêmico Gisele Reis, o CAGIR para os mais íntimos.


O texto foi publicado originalmente no perfil do Centro Acadêmico no Instagram: @cagir_cs. Podem seguir lá! O pessoal vai gostar :)


Quanto aos textos, os mesmos encontram-se disponíveis no seguinte link: https://drive.google.com/open?id=13nsb35L6n8csTYG9nBjc12OnTgU7cd-f 



O que sugerir numa hora dessas? – dicas em quarentena


George Gomes Coutinho





Caríssimxs estudantes,


Como estão vocês? Suas famílias? Seus queridxs? Amores? Amigxs? Pets? (use a ordem que melhor se encaixar para você e ignore quando for o caso).


Por aqui tudo sob controle.  Como devem saber muitos de nós prosseguimos em nossas rotinas no trabalho em home office. Inclusive o home office não é exatamente uma novidade dada a inexistência de gabinetes de trabalho na UFF-Campos.


Posso afirmar que o trabalho dxs docentes do Departamento, o que envolve pareceres, artigos, preparação de aulas, estudos, etc.., invariavelmente é feito em casa mesmo onde dividimos nossa atenção com família, queridxs, amores, amigxs, pets (não nesta ordem de atenção em todos os momentos).


Este trabalho de bastidor, aquele que não é visível, persiste turbinado pela conjuntura.


Mas, há a ausência inegável e sentida dos encontros dos grupos de pesquisa, das reuniões, das aulas... De tudo aquilo que constitui o nosso habitat concreto que todxs compartilhamos e onde criamos afinidades, desavenças, disputas, solidariedade... Enfim, na rua José do Patrocínio 71, entre paredes de alvenaria ou de contêineres, que nos esbarramos e nos co-influenciamos (uns com os outros, uns contra os outros). Torço sinceramente que possamos todxs compartilhar esses espaços em breve. Para ontem.


Até porque o momento em que forem permitidas as aulas presenciais será o sinal evidente do término da travessia do deserto que todxs nós estamos fazendo por agora.


Sem mais delongas... Vou para as minhas dicas.




Começo em algo para ouvir: o podcast Xadrez Verbal. Eu o recomendo para quem tem interesse em política internacional. Até porque, vamos e convenhamos, parte da cobertura de política internacional da grande imprensa é muito pobre (vocês entenderão ouvindo o podcast). Para além disso, Átila Iamarino, epidemiologista que se tornou figurinha fácil em tempos de pandemia na mídia, tem se colocado como comentarista residente no Xadrez. Então, aqui temos epidemiologia séria em perspectiva comparada e vocês poderão compreender bastante, em termos factuais, como se pode construir uma análise verdadeiramente abrangente sobre um problema sério de caráter transnacional. E sem o caráter transnacional não entendemos a conjuntura Covid-19.


No campo das leituras eu irei me concentrar em 4 pontos: sociologia do risco, Estado de Exceção, crise das democracias e Bolsonarismo.


- Sociedade de Risco: é o Ulrich Beck mesmo. O alemão falecido no ano de 2015 deixou uma abordagem que alertava sobre o quanto os Estados-Nacionais teriam dificuldades concretas para produzirem a regulação de seus próprios territórios e relações no processo de radicalização da modernidade. Questões ambientais, riscos com energia atômica, financeirização, são faces concretas das demandas colocadas por nossos tempos. Podemos acrescentar também aí as pandemias....


- Estado de Exceção: texto que é velho conhecido de quem fez Política IV comigo. Descortina já no pós-11 de setembro a fragilização dos direitos civis e explicita os mecanismos de exceção inseridos na arquitetura das constituições liberais (por exemplo o Estado de Sítio). Texto fundamental para lembrar que nas democracias representativas deve-se dormir com um olho aberto e outro fechado. Neste momento, aqui e alhures, os direitos civis encontram-se sob mira a partir da utilização justamente destes mecanismos constitucionais;


- Crise das democracias: inseri aqui Castells, Mounk, Runciman, Levistsky, Ziblatt... Diferentes perspectivas sobre a democracia representativa liberal contemporânea, sua crise e aquela sensação de que “tudo que é sólido continua se desmanchando no ar”. São descrições que explicam a fisionomia do sistema político que encontrou o Covid-19;


- Bolsonarismo é um fenômeno social e político com profundo impacto nos processos de tomada de decisão de indivíduos, gestores públicos, agentes de mercado, etc.. As ações no contexto da pandemia em solo brasileiro se colocam neste pano-de-fundo: ou adesão acrítica ou adesão parcial ou enfrentamento. Para entender o fenômeno penso que textos da Isabela Kalil e da Rosana Pinheiro Machado podem ajudar a entender esta “ambiência” onde decisões políticas são tomadas, desditas, gritadas.. e nos fazem arrancar cuecas e calcinhas pela cabeça quase que diariamente nesta república dos tweets.


Até breve e cuidem-se bem!


Referências Bibliográficas:

                                       

AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2004.
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade; São Paulo: Editora 34, 2010.
CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2018.
LEVISKY, Steven & ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2018.
KALIL, Isabela Oliveira. Quem são e no que acreditam os eleitores de Jair Bolsonaro. (Relatório de Pesquisa).
KALIL, Isabela Oliveira, MORETTO, Márcio & ORTELLADO, Pablo. Pesquisa no ato “PT nunca mais”. (Relatório de Pesquisa).
RUNCIMAN, David. Como a democracia chega ao fim. São Paulo: Todavia, 2018.
MACHADO, Rosana Pinheiro & SCALCO, Lucia Mury. Da esperança ao ódio: juventude, política e pobreza do lulismo ao bolsonarismo. In: Cadernos IHUideais. São Leopoldo, Unisinos, Ano 16, n.278, vol.16, 2018.
MOUNK, Yascha. O povo contra a democracia: por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.





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