O advento de uma pandemia traz consigo
inúmeras alterações no cotidiano das pessoas. Uma inversão da ordem das coisas
se apresenta: as ruas que eram movimentadas, tornam-se semi-mortas, enquanto as
casas passam a concentrar todo o trabalho – ou sua expectativa. O mundo fica de
cabeça pra baixo. E mesmo com tudo alterado, com todas as dinâmicas afetadas,
os sistemas de medição temporal continuam os mesmos: os minutos possuem
sessenta segundos e as horas continuam a ter sessenta minutos enquanto os dias
somam vinte e quatro horas que, se multiplicados por sete, constituem uma
semana. Mesmo com as já conhecidas medidas de tempo permanecendo, a percepção
do tempo se alterou. A mudança vivida nas estruturas sociais leva a alterações
nas formas como o tempo é sentido e percebido. Para alguns, o tempo voa, mas,
para muitos, o tempo se arrasta como nunca. Pois as necessidades da estrutura
“da normalidade” não são mais satisfeitas e as metas continuam as mesmas: “é
preciso trabalhar, é preciso voltar ‘ao normal’, é preciso voltar às ruas”. O
tempo mudou, em nossa percepção, mas ele continua sendo o mesmo em suas horas,
dias e semanas. Os cálculos feitos por epidemiologistas e matemáticos, previam
um recrudescimento da crise do coronavírus no Brasil entre meados de abril e o
início de maio. Ainda não atingimos esse período, mas como a paralisação das
atividades altera a percepção do tempo, sentimos como se a crise não tivesse
passado de uma ameaça que não se cumpriu. E assim começamos a relaxar,
esquecendo que ainda não chegamos no período crítico. É muito cedo para
abandonar a postura defensiva, por mais que haja uma insatisfação com o
confinamento. Os conhecimentos técnicos que nos conduziram ao isolamento social
objetivavam restringir a disseminação do vírus e, assim, evitar hospitais sem
leitos disponíveis, um número enorme de pessoas contaminadas e o acúmulo de
corpos em necrotérios. Que fique claro: aos profissionais que recomendaram o
isolamento social foi solicitado que indicassem medidas para conter os estragos
da pandemia e não para melhorar a economia ou fazer a alegria da população. Em
um país polarizado como o nosso, às vezes é preciso lembrar que decisões podem
ser tomadas por critérios técnicos.
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
* Publicado na página 04 do Jornal Folha da Manhã de 11 de Abril de 2020.
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