domingo, 11 de dezembro de 2016

Judicialização e crise institucional

Judicialização e crise institucional*

George Gomes Coutinho **

Nesta semana a imprensa decidiu massificar os termos “crise institucional”.  A motivação foi a liminar que objetivou provocar o afastamento de Renan Calheiros (PMDB/AL) da presidência do Senado Federal a partir da decisão monocrática do ministro Marco Aurélio Mello do STF.

O que me causa espécie é que só agora, com este fato, a imprensa fale em uma crise institucional. Na verdade, o imbróglio do momento entre legislativo e judiciário é mais um acontecimento grave dentre outros  no Brasil já há algum tempo. O último evento não é pouca coisa. Contudo, não foi a primeira ocorrência e nem será a derradeira a nos arrepiar.

A reverberação objetiva da decisão de Marco Aurélio Mello é a da interferência de um poder formal e constituído sobre outro. A separação entre poderes não é mero adorno teórico proposto pela filosofia política.  Em última instância, mantém o objetivo prático de evitar que os poderes canibalizem uns aos outros. Nesta tese, a não interferência de um sobre o outro permite o que seria o horizonte mais eficiente de atuação dos agentes: a fiscalização das ações do vizinho. Ainda, é a separação formal e prática entre poderes que permite no processo de tomada de decisões os legítimos checks and balances, os pesos e contrapesos, onde um poder pode até reconsiderar tomadas de posição ocorridas no outro lado da Praça dos Três Poderes. Mas, é vedada a interferência direta nos ritos e no funcionamento cotidiano de X sobre Y.  

A crise institucional em que vivemos deriva também de uma profunda e lenta judicialização da sociedade brasileira que não foi criada agora. No Brasil pós-Constituição de 1988 houve considerável empoderamento do judiciário como agente político que não é submetido ao controle democrático, sendo este agente o mediador preferencial das relações sociais em uma série de escalas. Sem dúvida há avanços civilizatórios inegáveis produzidos pelo judiciário. Contudo, da forma como estamos caminhando, tanto poder colocado no colo de juízes ou promotores sem controle social produzirá mais danos do que benefícios ao Estado Democrático de Direito. Não precisamos de um Leviatã jurídico nesta altura do campeonato. Precisamos, em verdade, é do restabelecimento das relações entre sociedade civil e o sistema político.

*  Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 10 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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