A chamada
“pós-verdade”*
George
Gomes Coutinho **
Há expressões e palavras que
demarcam uma época e/ou gerações. Por vezes enunciar uma delas denuncia até
mesmo a idade do interlocutor. Em outros casos, meramente funciona como um
indicador frágil de erudição.
Na contemporaneidade o termo”
pós-verdade” (post-truth) se apresenta com certa notoriedade. Uma espécie de
demarcador interpretativo dos tempos em que vivemos. Não por acaso a
Universidade de Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano de 2016. Isto
é sintomático, embora o fenômeno em si não seja exatamente uma novidade.
Não é de hoje que mentiras e
manipulações diversas, conscientes ou não, são utilizadas como mecanismo de
interação e produzem efeitos concretos na realidade. Nem sempre o bom e velho
“boato” fica somente no plano discursivo. Cabe lembrar que o tribunal de bar,
cantado por Herbert Vianna em 1991 no disco Grãos dos Paralamas do Sucesso,
fez, faz e fará vítimas, o que inclui o linchamento de inocentes. Basta a
disseminação de uma informação e a convicção dos que estão dispostos em
abandonar o Estado Democrático de Direito em prol da justiça feita pelas
próprias mãos. Mesmo que seja com enorme custo.
O que muda nos tempos que correm é
a extensão dessas ondas discursivas, o que certamente amplifica a fofoca, o boato
e a informação de má qualidade. Na era das redes sociais, onde estas são
utilizadas até mesmo como via para obtenção de informação, uma mentira
espontânea ou “plantada” por algum grupo ou indivíduo replica-se de forma
incontrolável. O termo “viral” é didático. Ainda, o caráter anárquico da
produção de informação, até então restrita aos profissionais dos meios de
comunicação, agências governamentais e políticos, torna o cenário
potencialmente mais explosivo. Hipoteticamente não importa a origem ou a
qualidade da informação. Basta que caia como uma luva ante as convicções do
receptor.
A “pós-verdade”, por exemplo, é
uma das variáveis mobilizadas para entender a vitória de Donald Trump nas
eleições dos EUA. Tal como o curioso adágio atribuído ao jovem Procurador da
República Deltan Dellagnol, importam mais convicções do que fatos. E nem isso
ele disse.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 24 de dezembro de 2016
** Professor
de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos
Goytacazes
Nenhum comentário:
Postar um comentário