domingo, 25 de dezembro de 2016

A chamada “pós-verdade”

A chamada “pós-verdade”*

George Gomes Coutinho **

Há expressões e palavras que demarcam uma época e/ou gerações. Por vezes enunciar uma delas denuncia até mesmo a idade do interlocutor. Em outros casos, meramente funciona como um indicador frágil de erudição.

Na contemporaneidade o termo” pós-verdade” (post-truth) se apresenta com certa notoriedade. Uma espécie de demarcador interpretativo dos tempos em que vivemos. Não por acaso a Universidade de Oxford elegeu “pós-verdade” como a palavra do ano de 2016. Isto é sintomático, embora o fenômeno em si não seja exatamente uma novidade.

Não é de hoje que mentiras e manipulações diversas, conscientes ou não, são utilizadas como mecanismo de interação e produzem efeitos concretos na realidade. Nem sempre o bom e velho “boato” fica somente no plano discursivo. Cabe lembrar que o tribunal de bar, cantado por Herbert Vianna em 1991 no disco Grãos dos Paralamas do Sucesso, fez, faz e fará vítimas, o que inclui o linchamento de inocentes. Basta a disseminação de uma informação e a convicção dos que estão dispostos em abandonar o Estado Democrático de Direito em prol da justiça feita pelas próprias mãos. Mesmo que seja com enorme custo.

O que muda nos tempos que correm é a extensão dessas ondas discursivas, o que certamente amplifica a fofoca, o boato e a informação de má qualidade. Na era das redes sociais, onde estas são utilizadas até mesmo como via para obtenção de informação, uma mentira espontânea ou “plantada” por algum grupo ou indivíduo replica-se de forma incontrolável. O termo “viral” é didático. Ainda, o caráter anárquico da produção de informação, até então restrita aos profissionais dos meios de comunicação, agências governamentais e políticos, torna o cenário potencialmente mais explosivo. Hipoteticamente não importa a origem ou a qualidade da informação. Basta que caia como uma luva ante as convicções do receptor.

A “pós-verdade”, por exemplo, é uma das variáveis mobilizadas para entender a vitória de Donald Trump nas eleições dos EUA. Tal como o curioso adágio atribuído ao jovem Procurador da República Deltan Dellagnol, importam mais convicções do que fatos. E nem isso ele disse.

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 24 de dezembro de 2016


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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