quarta-feira, 13 de março de 2019

O que é ser "campista"?


O que é ser "campista"?

Por Paulo Sérgio Ribeiro

Dos temas que vêm à baila de tempos em tempos, eis um que pode pôr tudo a perder para quem pretenda um mínimo de "imunidade" intelectual. Sim, nada mais propenso a enorme fraude do que falar das próprias origens. 

Ao menos, a proposição acima tem algo que possa nos safar desta enrascada: indaga-se sobre a relação com a cidade e não sobre uma suposta identidade genérica - "o(a) campista" -  que pudesse ser atribuída a todos(as) qual fosse a mediana dos modos de pensar e de agir em nossa ambiência cultural. 

Não que se negue os lugares comuns. Eles obviamente se fazem incontornáveis na medida mesma em que passam despercebidos nos esquemas mentais que parecem dotar o cotidiano de uma textura própria. Quais caminhos, quais contatos, quais pontos de fuga a saber de antemão dentro do espaço social no qual enxergar-se numa realidade torna-se sua segunda natureza: eis tudo o que é necessário e, não menos, quase nada do que nos é suficiente para afirmar-se sujeito pensante e desejante. 

O que sei de Campos dos Goytacazes? Seria mais genuíno perguntar sobre o que não sei: as obras completas de Alberto Lamego, de Álvaro Vieira Pinto, de Aristides Arthur Soffiati; as águas e árvores possantes do Imbé; a história das tantas vidas reduzidas a algo menos do que carvão em séculos de um escravismo colonial que, no terreno das mentalidades, transige com a modernização conservadora que vigorou no Norte Fluminense, região desafiada desde sempre a conceber fatores endógenos de desenvolvimento humano. 

Não obstante, o que sei ou acho que sei: é muito provável que as avenidas do poder continuem fechadas àqueles(as) que não conseguirem vislumbrar caminhos para além das barreiras de classe que nos atam, homens e mulheres de esquerda, aos nossos pequenos círculos. 

Sendo assim, tenho uma curiosidade um tanto atrevida sobre as fotos, desenhos, poesias e narrativas que o Museu Histórico terá ao seu dispor, bem como da maneira como aqueles serão selecionados.

Qual ponto de vista prevalecerá na exposição "Viva sua História"?

O da história oficial, que nada mais é do que a história dos vencedores? Ou o cotejo da história dos vencidos? Isto é, daqueles(as) homens e mulheres que, em verdade, ainda não se deram por vencidos pela percepção (sempre tentadora, porque cômoda...) de que, a despeito dos conflitos pelos quais tomamos posição, nada muda em Campos dos Goytacazes.

Aos(às) "vencidos(as)" que teimam em lutar, dedico os versos imortais de Carlos Drummond de Andrade:

Mãos Dadas

Não serei o poeta de um mudo caduco
Também não cantarei o mundo futuro
Estou preso à vida e olho os meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças
Entre eles, considero a enorme realidade
O presente é tão grande, não nos afastemos
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história
Não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da
janela
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida
Não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os 
homens presentes
A vida presente   

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