sábado, 4 de novembro de 2017

Aviõezinhos da República

Aviõezinhos da República*

George Gomes Coutinho **

Neste ano o sociólogo potiguar Jessé Souza (1960) lançou pela editora Leya o seu “A Elite do Atraso: Da Escravidão à Lava Jato”. O livro retoma e atualiza o conjunto de interpretações ousadas e originais elaboradas por Souza nos últimos 20 anos de sua produção sociológica, onde o exercício da crítica avassaladora dos fundamentos de justificação de nossa sociedade é o motor que guia o exercício intelectual. Para além disso, como se já não fosse pouco, “A Elite do Atraso” prossegue no exercício de intervenção pública em consonância com obras anteriores do autor: tanto em “A Tolice da Inteligência”, de 2015, quanto no ano seguinte em “A Radiografia do Golpe”, ambos os livros  lançados também pela Leya, Souza traduz para o leitor situado além dos muros da academia questões que conferem sentido ao Brasil enquanto Estado-Nação. Conferem sentido e mantém o status quo de uma das sociedades mais desiguais do planeta.

Na busca pela comunicação honesta e eficiente com o leitor não especializado, nosso autor envereda num esforço lingüístico quase olímpico. Metáforas e figuras de linguagem em geral são utilizadas tendo por meta a diminuição da distância entre a sociologia contemporânea avançada e o público alvo do livro. Destacarei uma delas. A do político como “aviãozinho”.

Souza, no seu esforço em desnudar as relações de poder do Brasil contemporâneo, faz uma analogia absolutamente didática entre elites/classe política e grandes traficantes/aviõezinhos do tráfico. Ora, os “aviõezinhos”, os que levam as drogas para os usuários, não são nem de longe os maiores beneficiários do esquema. São apenas a face mais visível e operacional de uma relação econômica onde o “dono da boca” retira seus dividendos. Justamente por sua visibilidade, não por caso, os “aviõezinhos” são os primeiros a serem mortos, presos ou humilhados.

A relação entre a classe política e a fatia dos 1% mais ricos brasileiros é análoga. A classe política “integrada” e precificada viabiliza os mecanismos institucionais e legais que mantém ou aprimora para os reais privilegiados o atual estado de coisas. A atuação política espalhafatosa é absolutamente funcional: oculta a face silenciosa e invisível de quem realmente dá as cartas.

* Texto publicado em 04 de novembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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