Aviõezinhos
da República*
George
Gomes Coutinho **
Neste ano o sociólogo potiguar
Jessé Souza (1960) lançou pela editora Leya o seu “A Elite do Atraso: Da
Escravidão à Lava Jato”. O livro retoma e atualiza o conjunto de interpretações
ousadas e originais elaboradas por Souza nos últimos 20 anos de sua produção
sociológica, onde o exercício da crítica avassaladora dos fundamentos de
justificação de nossa sociedade é o motor que guia o exercício intelectual.
Para além disso, como se já não fosse pouco, “A Elite do Atraso” prossegue no
exercício de intervenção pública em consonância com obras anteriores do autor:
tanto em “A Tolice da Inteligência”, de 2015, quanto no ano seguinte em “A
Radiografia do Golpe”, ambos os livros lançados também pela Leya, Souza traduz para o
leitor situado além dos muros da academia questões que conferem sentido ao
Brasil enquanto Estado-Nação. Conferem sentido e mantém o status quo de uma das
sociedades mais desiguais do planeta.
Na busca pela comunicação honesta
e eficiente com o leitor não especializado, nosso autor envereda num esforço lingüístico
quase olímpico. Metáforas e figuras de linguagem em geral são utilizadas tendo
por meta a diminuição da distância entre a sociologia contemporânea avançada e
o público alvo do livro. Destacarei uma delas. A do político como “aviãozinho”.
Souza, no seu esforço em desnudar
as relações de poder do Brasil contemporâneo, faz uma analogia absolutamente
didática entre elites/classe política e grandes traficantes/aviõezinhos do
tráfico. Ora, os “aviõezinhos”, os que levam as drogas para os usuários, não
são nem de longe os maiores beneficiários do esquema. São apenas a face mais
visível e operacional de uma relação econômica onde o “dono da boca” retira
seus dividendos. Justamente por sua visibilidade, não por caso, os
“aviõezinhos” são os primeiros a serem mortos, presos ou humilhados.
A relação entre a classe política
e a fatia dos 1% mais ricos brasileiros é análoga. A classe política
“integrada” e precificada viabiliza os mecanismos institucionais e legais que mantém
ou aprimora para os reais privilegiados o atual estado de coisas. A atuação
política espalhafatosa é absolutamente funcional: oculta a face silenciosa e
invisível de quem realmente dá as cartas.
* Texto publicado em 04 de novembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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