Butler: a bola da vez*
George
Gomes Coutinho **
A vinda da filósofa
norte-americana Judith Butler (1956) no Brasil provocou reações que causariam
perplexidade a qualquer habitante de uma comunidade que se pretenda civilizada.
Afinal, a professora de Berkeley veio exercer seu papel de intelectual
profissional. Butler não recomendou o estupro ou ameaçou alguém de morte. Não a
vi fazendo apologia a torturadores. Não chutou uma imagem católica em rede
nacional e tampouco teria ameaçado depredar terreiros de umbanda. Ela veio
apresentar e discutir idéias, no formato de palestras, algo que seria tão
natural quanto andar para frente nas democracias consolidadas. Mas, aqui a
recepção contou com protesto na rua e o rechaço assinado por 360 mil pessoas contra
sua presença.
O conceito de gênero, o grande
tema da autora, nem penso que teria sido a única motivação da histeria de parte
da direita totalitária brasileira. Na verdade, suspeito que Butler foi a bola
da vez. Virão outros e outras caso não ocorra uma mudança cognitiva e
valorativa em certos grupos. Explicarei minha perspectiva.
Lendo depoimentos em sites de
notícias dos que consideram Butler persona non grata, destaco um que li no UOLNotícias em 07 de novembro na matéria assinada por Janaina Garcia: “Pouco importa se é a Judith Butler, porque ela poderia
ser qualquer outra coisa". Diante disso me ocorreu imediatamente uma cena
do documentário de 2012 “O Guia Pervertido da Ideologia” do também filósofo
Slavoj Žižek (1949). Na cena, uma
propaganda nazista alertava contra as “idéias degeneradas” propagandeadas por
insidiosos judeus que colocariam em risco a família e o modo de vida alemão.
Charles Chaplin (1889-1977) e Albert Einstein (1879-1955) aparecem na
propaganda como exemplos de judeus igualmente “degenerados” e perigosos.
O que une
Chaplin, Einstein e Butler no contexto de intolerância nazista ou no Brasil
contemporâneo odiento? Os três personagens, muito diferentes entre si, corporificam
representações de mundo que simplesmente não deveriam existir e precisam ser
eliminadas na ótica de determinados grupos. São “portadores de idéias”. E
idéias são desconfortáveis sempre que revelam algo oculto ou indesejado acerca das
justificações que visam manter o status quo.
* Texto publicado em 11 de novembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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