sábado, 11 de novembro de 2017

Butler: a bola da vez

Butler: a bola da vez*

George Gomes Coutinho **

A vinda da filósofa norte-americana Judith Butler (1956) no Brasil provocou reações que causariam perplexidade a qualquer habitante de uma comunidade que se pretenda civilizada. Afinal, a professora de Berkeley veio exercer seu papel de intelectual profissional. Butler não recomendou o estupro ou ameaçou alguém de morte. Não a vi fazendo apologia a torturadores. Não chutou uma imagem católica em rede nacional e tampouco teria ameaçado depredar terreiros de umbanda. Ela veio apresentar e discutir idéias, no formato de palestras, algo que seria tão natural quanto andar para frente nas democracias consolidadas. Mas, aqui a recepção contou com protesto na rua e o rechaço assinado por 360 mil pessoas contra sua presença.

O conceito de gênero, o grande tema da autora, nem penso que teria sido a única motivação da histeria de parte da direita totalitária brasileira. Na verdade, suspeito que Butler foi a bola da vez. Virão outros e outras caso não ocorra uma mudança cognitiva e valorativa em certos grupos. Explicarei minha perspectiva.

Lendo depoimentos em sites de notícias dos que consideram Butler persona non grata, destaco um que li no UOLNotícias em 07 de novembro na matéria assinada por Janaina Garcia: “Pouco importa se é a Judith Butler, porque ela poderia ser qualquer outra coisa". Diante disso me ocorreu imediatamente uma cena do documentário de 2012 “O Guia Pervertido da Ideologia” do também filósofo Slavoj Žižek (1949). Na cena, uma propaganda nazista alertava contra as “idéias degeneradas” propagandeadas por insidiosos judeus que colocariam em risco a família e o modo de vida alemão. Charles Chaplin (1889-1977) e Albert Einstein (1879-1955) aparecem na propaganda como exemplos de judeus igualmente “degenerados” e perigosos.

O que une Chaplin, Einstein e Butler no contexto de intolerância nazista ou no Brasil contemporâneo odiento? Os três personagens, muito diferentes entre si, corporificam representações de mundo que simplesmente não deveriam existir e precisam ser eliminadas na ótica de determinados grupos. São “portadores de idéias”. E idéias são desconfortáveis sempre que revelam algo oculto ou indesejado acerca das justificações que visam manter o status quo.

* Texto publicado em 11 de novembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

Nenhum comentário:

Postar um comentário