sábado, 18 de novembro de 2017

“Reforma”, legitimidade e democracia

“Reforma”, legitimidade e democracia*

George Gomes Coutinho **

As reações diante da “Reforma” Trabalhista, sendo que esta ganhou efetividade uma semana atrás, não me causam estranheza. Ainda ocorrem debates quentes, com críticas severas por um lado e tentativas de reafirmar positivamente os supostos benefícios das mudanças na CLT por outro. No âmbito prático há agentes do judiciário que se recusam a tornar a “Reforma” norma. Há os entusiastas que abraçam as modificações na legislação acreditando que produzirão avanços significativos nas relações de trabalho brasileiras. Contudo, hoje não irei discutir o conteúdo das mudanças. Minha ótica será a do campo político.

O cenário descrito no parágrafo anterior é mais um dos alertas amarelos, quase vermelhos, desde as eleições de 2014. Observadores dentro e fora do país notam que as instituições brasileiras, tomando a conjuntura a partir de nossa última eleição presidencial, não gozam de plena saúde. O burburinho ruidoso e as resistências no espaço público tendo em mira a “Reforma” são mais e maus novos sinais. A legitimidade da “Reforma”, algo que vai além da legalidade e a incorpora, está em jogo desde sua proposição.

Que se trata de uma mudança estrutural nas relações de trabalho da população ninguém discute. Contudo, a opção de modificações “pelo alto”, em algo tão profundo e dotado de tamanho impacto no cotidiano, tem produzido as reverberações que estamos assistindo.

Oras,  legitimidade envolve a “dominação consentida”. Para que medidas dotadas de impacto coletivo tomem corpo no cotidiano é preciso que ocorra a aceitação, de forma ou de outra, entre os agentes. Nas democracias, onde formalmente se impõe a via pacífica e dialógica no exercício do poder, a legitimidade se torna um ponto ainda mais caprichoso e acresce complexidade ao sistema. Por essa razão dificilmente as tentações autoritárias irão desaparecer totalmente do imaginário político. Afinal, “enfiar goela abaixo” uma medida economiza tempo e saliva.

Voltando ao debate da “Reforma” Trabalhista, encontramos um processo de implantação sem amplo consenso formado. Vejo este caso específico como um ensaio do que pode vir por aí no caso previdenciário: mais uma proposta “pelo alto” que produzirá ruído. Muito ruído.

* Texto publicado em 18 de novembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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