FHC,
o impedimento e as maiorias parlamentares *
George
Gomes Coutinho *
No início deste mês o
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso concedeu polêmica entrevista ao
programa Up Front da TV Al Jazeera.
Confrontado diversas vezes pelo entrevistador Mehdi Hasan em perguntas sobre a
conjuntura política brasileira, em dado momento FHC aponta como uma das
justificativas para o impedimento de Dilma Roussef o fato da mesma não ter
contado com a maioria na Câmara dos Deputados. Ou seja, a composição da base
parlamentar, que pode se traduzir em dificuldades severas de governabilidade, seria
um dos argumentos que legitimam a deposição de um presidente eleito pelo método
democrático de seleção de governantes.
O argumento tomado isoladamente é prenhe de debilidades severas.
Não indo muito longe e observando a recente conjuntura norte-americana, o
presidente Barack Obama lidou em seu segundo governo com a oposição tomando de
assalto o Congresso e nem por isso foi cogitada a hipótese do impedimento. Em outra
perspectiva, agora de longa duração, a História nos autoriza a dizer que a
construção de maiorias parlamentares é antes de tudo circunstancial. Traduzindo
em miúdos, os executivos nacionais podem contar ou não com maiorias
parlamentares e a construção das mesmas depende de um conjunto constrangedor de
variáveis conjunturais. Ou seja, embora maiorias parlamentares sejam certamente
desejáveis, estas podem ou não ocorrer.
Em suma, neste argumento de FHC
sobra convicção e falta responsabilidade. A interrupção do mandato de um
governante confronta o mecanismo democrático de eleições regulares e só seria
aplicável em casos extremos e inquestionáveis. O remédio amargo do impedimento,
assim adjetivado pelo conjunto de seqüelas graves que podem vir a matar o
paciente, não deveria ser indicado como panacéia em conjunturas particularmente
difíceis. O caminho seria outro: como o
presidencialismo brasileiro poderia encontrar soluções dentro do próprio
sistema político para impasses nos processos de tomada de decisão? Mas, pelo
andar da carruagem, estamos perdendo uma excelente janela histórica de
aprimoramento institucional que tanto poderia responder esta pergunta crucial
quanto nos auxiliaria no complexo processo de consolidação de nossa democracia.
* Publicado no jornal "Folha da Manhã" em Campos dos Goytacazes em 30/07/2016, p.04
**Professor
de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes