Prezad@s,
Disponibilizo o link onde se encontra o conteúdo programático e os textos da disciplina "O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil", criação do prof. Luis Felipe Miguel que será ministrada neste 1º semestre de 2018 na Universidade de Brasília (UnB).
Eis o link para acessar o material:
https://m.box.com/shared_item/https%3A%2F%2Fapp.box.com%2Fs%2Fbm0d52sjav3e975hmz0sifjktrsz4too
terça-feira, 27 de fevereiro de 2018
domingo, 25 de fevereiro de 2018
Golpe e autonomia universitária
Golpe e autonomia universitária
Por Paulo Sérgio
Ribeiro
Luís Felipe Miguel é um cientista
político que dispensa apresentações. Seus escritos são hoje referência em
cursos de graduação e pós-graduação em ciências sociais. Professor e pesquisador
da Universidade de Brasília (UnB), Miguel oferece neste semestre uma disciplina
optativa – “Tópicos Especiais em Ciência Política 4: O golpe de 2016 e a
democracia”. Como o próprio disse, trata-se de um ato “corriqueiro” que não deveria causar frenesi. Contudo, um alvoroço tomou conta de sua rotina
profissional desde que jornais de grande circulação conferiram à sua disciplina
um injustificado caráter polêmico e o Ministro da Educação, Mendonça Filho, declarou
que encaminharia uma consulta aos órgãos de controle do Poder Executivo Federal
a respeito da sua “legalidade”. Eu bem poderia encurtar esse texto afirmando o
óbvio: questionar a vinculação à lei do ato de lecionar sobre o “golpe de 2016”
é tão esdrúxulo quanto questionar um seminário dedicado ao “golpe de 1964” ou aos
demais processos de ruptura institucional que dão relevo à república brasileira.
Não obstante, dimensionar o desvio ético de Mendonça Filho exige-nos mais do
que isso, considerando a sequência de violações à autonomia universitária iniciada
num governo ilegítimo do qual o ministro nada mais é que uma caricatura.
A condução coercitiva do reitor, da
vice-reitora e demais funcionários da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) em mais uma ação espetaculosa da Polícia Federal (PF), intitulada
acintosamente “Esperança Equilibrista”;
o suicídio de Luis Carlos Cancellier, então reitor da Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSC), que sofrera uma prisão arbitrária da PF na operação “Ouvidos
Moucos”; a intimação do médico Elisaldo Carlini, professor da Universidade
Federal de São Paulo (UNIFESP), especializado em pesquisas sobre entorpecentes,
para depor na polícia de São Paulo em inquérito no qual é acusado, pasmem, de “apologia
ao crime” são sintomas da perda de centralidade da questão democrática. A
autonomia universitária é uma orientação normativa ausente de sentido quando um
regime democrático se fragiliza. Ora, assim como a autoridade política se
exerce sob a delegação temporária do governados, estes mantêm-se soberanos se,
e somente se, forem capazes de confrontar toda e qualquer autoridade que, incapaz
de justificar racionalmente os seus atos, recorra à força e à submissão.
A censura às ciências sinaliza a
percepção da universidade como um perigo subversivo ao regime de força
instalado no país, privando-nos daquilo que é o sal da terra do mundo
intelectual: o dissenso. Não que a universidade fosse imune ao autoritarismo
como um modus vivendi dos brasileiros quando
ainda vivíamos sob a ilusão de que a redemocratização passaria dos 30... A
estrutura organizacional da universidade confirma a olhos vistos como a demarcação
de áreas de conhecimento pressupõe a naturalização da hierarquia social dos seus
objetos, uma espécie de luta de classes sublimada no tocante à distribuição de
recursos para o trabalho científico. Contudo, a universidade talvez seja a
única instituição na modernidade cuja razão de ser encontra-se na vitalidade de sua crítica
interna. Herdeira do ideário iluminista, as universidades são o lugar em que teorias
aparentemente sólidas se pulverizam à medida que um novo patamar da “maioridade”
da qual nos falava Kant é alcançado, isto é, quando se renova a capacidade dos
indivíduos pensarem por si mesmos, sem deferência a quaisquer argumentos de
autoridade, redefinindo assim as fronteiras do conhecimento.
A docência e a pesquisa científicas
– seguindo uma lógica que independe da tutela do Estado e da religião – relacionam-se
com as práticas sociais extramuros da universidade, devolvendo um sentido à
interrogação que tais práticas nos suscitam. Nada mais salutar, portanto, do
que uma disciplina que promova a reflexão criteriosa sobre um fato que afeta a todos os brasileiros e os vincula ao mundo: a diluição do pacto social ratificado na
Constituição Federal de 1988 ou, dito com todas as letras, o golpe parlamentar
de 2016. Daria muito gosto estar matriculado numa disciplina como a ministrada
por Luís Felipe Miguel. Seria instigante acompanhar o passo a passo desse
debate na UnB o qual, talvez, tenha por pano de fundo um acerto de contas com certas expectativas no interior da ciência política que relativizaram a coexistência problemática da democracia e do capitalismo na "Nova República", sacrificando, pois, o nosso intelecto com a crença resignada de que “se as instituições funcionam, está tudo bem”.
Sim, elas “funcionam” e não, não
estamos nada bem.
Nota de apoio ao Prof. Luis Felipe Miguel - DCP/UFF
A Ciência Política da Universidade Federal Fluminense, através do seu Departamento (GCP) e Programa de Pós-Graduação (PPGCP), vem manifestar pleno apoio ao Professor Luís Felipe Miguel, da Universidade de Brasília (UNB), pelas agressões sofridas ao seu direito legítimo de ministrar a disciplina "O golpe de 2016 e o futuro da democracia", no 1o semestre letivo de 2018, na UNB.
Assim sendo, o Departamento de Ciência Política e o Programa de Pós-Graduação em Ciência Política, da UFF, também repudiam enfaticamente os ataques sofridos pelo Professor Luís Felipe que ferem intensamente à liberdade de cátedra e o Estado de Direito, este já gravemente atropelado desde o ano de 2016!
Docentes e discentes da Ciência Política, e demais apoiadores!
sábado, 24 de fevereiro de 2018
Pausa tática
Prezad@s,
Comunico ao público leitor/seguidor deste blog, provavelmente dois ou três leitores, que este que vos escreve fará uma pausa nas colaborações com a imprensa regional.
Como quase tudo que tenho publicado é produto direto de minha relação com o jornal Folha da Manhã, este blog ficará sob a batuta de meu amigo-irmão de longa data, o Paulo Sérgio Ribeiro. Neste sentido, tenho certeza que tod@s estarão em excelentes mãos.
A razão para a pausa é simples: há outras demandas profissionais de curto prazo que me exigem plena atenção neste momento. Concluída a tarefa, volto para as colaborações regulares com fôlego renovado.
Hasta la victoria siempre!
George Gomes Coutinho
PS: Após postar percebi que o título original, "Pausa estratégica", estava errado. A pausa aqui é meramente tática. Não é estratégica. Conforme Clausewitz no clássico "Da Guerra", a estratégia refere-se ao objetivo maior, final e muitas vezes de longo prazo. Falamos do sentido quase ontológico da ação e da existência aqui. A tática é obrigatoriamente de curtíssimo prazo, circunstancial e dialoga com as contingências que obrigam a flexibilidade para que se possa atingir o objetivo maior.
PS: Após postar percebi que o título original, "Pausa estratégica", estava errado. A pausa aqui é meramente tática. Não é estratégica. Conforme Clausewitz no clássico "Da Guerra", a estratégia refere-se ao objetivo maior, final e muitas vezes de longo prazo. Falamos do sentido quase ontológico da ação e da existência aqui. A tática é obrigatoriamente de curtíssimo prazo, circunstancial e dialoga com as contingências que obrigam a flexibilidade para que se possa atingir o objetivo maior.
Intervenção para quem precisa
Intervenção para quem precisa*
George
Gomes Coutinho **
Os dias imediatamente após as
comemorações carnavalescas trouxeram para a população brasileira em geral, e a
fluminense em particular, o inusitado. No dia 16/02 o anúncio intempestivo de
uma Intervenção Federal pegou muita gente de calças curtas. Desconfio que até
mesmo os policy makers fluminenses se viram em igual condição.
Afinal, que cazzo quer o Governo
Federal na atual conjuntura? A medida foi recebida com críticas e ceticismo por
uma enorme gama de pesquisadores. Cabe ressaltar o ineditismo da situação:
nunca antes na História do Brasil redemocratizado assistimos algo assim. Não se
trata, portanto, de medida insignificante.
É dotada de inegável excepcionalidade e implica o reconhecimento de que algo
vai muito mal com as nossas instituições, a despeito da cantilena que apregoa o
oposto desde 2016. Isso não desconsiderando a medida ser respaldada pela
Constituição Federal de 1988. Para além disso, por qual razão seria o Rio o
objeto da Intervenção? Justamente o estado da federação que não se encontra na
pior situação em termos de violência urbana, não obstante a reconhecida
tragicidade de sua condição estrutural.
Ainda, cabe perguntarmos se era
esse o encaminhamento mais adequado, afinal a intervenção retira a autonomia
decisória do estado no que tange a segurança pública. Isso é grave. Está se
afirmando que o estado tornou-se incapaz de gerir este setor. Mas, seria só
esse? É falta de expertise mesmo? A segurança pública é o maior e mais grave
problema do Rio de Janeiro nesse momento? Oras, e as outras áreas fundamentais
de atendimento da população? O problema é de gestão ou seriam opções suicidas
de contigenciamento orçamentário que provocaram o atual cenário? No rastro das
perguntas inconvenientes: como estabelecem um prazo, um limite temporal para a
intervenção, sem terem delimitado objetivos claros?
Muitas dúvidas diante de tema tão
espinhoso. E uma única certeza para o momento. A mudança de pauta na opinião
pública. A segurança pública do Rio tornou-se, mais uma vez, o “assunto do
momento” em ano eleitoral. Conseguiram o intento após a Reforma Previdenciária
ter subido no telhado. A jogada é maquiavélica se foi para mera mudança de
direcionamento dos holofotes.
* Texto publicado em 24 de fevereiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018
Nota de repúdio à violência contra a liberdade de cátedra
A Diretoria da ABCP vem manifestar a sua profunda preocupação com o intenção do ministro da Educação, Mendonça Filho, veiculada por diversos sites de notícias na quarta feira, dia 21 de fevereiro, de acionar os órgãos de controle para analisar a legalidade de uma disciplina a ser lecionada no Instituto de Ciência Politica da Universidade de Brasília (IPOL-UNB), cujo conteúdo refere-se à análise da democracia brasileira contemporânea, abrangendo o período que antecede a deposição da ex-presidente Dilma Roussef até os dias atuais.
A Diretoria da ABCP entende que a Constituição Federal de 1988, no seu artigo 206, II, garante aos docentes e discentes o pleno exercício da liberdade de ensinar e aprender, assim como faculta às Universidades brasileiras autonomia pedagógica. Ressalte-se ainda que a disciplina questionada pelo MEC é uma cadeira optativa de ementário livre, sendo facultado aos docentes montar o programa com o intuito de apresentar pesquisas recentes e debater temas da atualidade. A rigor, nenhum aluno ou aluna do curso de graduação em Ciência Política da UNB é obrigado a cursá-la. Por outro lado, proibir a realização da disciplina impediria os discentes que assim o desejassem de cursá-la, o que fere, por suposto, o princípio da liberdade de aprender.
Diante disto, consideramos que, se a intenção manifesta do Ministro de fato se concretizar, a autonomia pedagógica das universidades brasileiras estará ameaçada, assim como os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal. O ato não poderá ser avaliado de outra forma, senão como censura, característico de regimes de exceção.
Fonte: Associação Brasileira de Ciência Política.
Acessível em:
https://cienciapolitica.org.br/noticias/2018/02/nota-repudio-violencia-contra-liberdade-catedra
terça-feira, 20 de fevereiro de 2018
INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E QUESTÕES
INTERVENÇÃO NO RIO DE JANEIRO: FATOS, DÚVIDAS E
QUESTÕES*
José Luis Vianna da Cruz**
Fatos
O
Governo Federal intervém, apoiado na Constituição, na Área de Segurança do
Estado do Rio, até 31 de dezembro deste ano, por suposta perda de controle do
governo estadual sobre a violência. Um General vai comandar as ações das
Polícias Militar e Civil, dos presídios, da área de inteligência, dos
bombeiros. Vai reportar diretamente ao Presidente da República.
Com
a intervenção, fica proibido alterar a Constituição. A Reforma da Previdência,
considerada “questão de honra” para o Governo, as elites, a grande mídia, o Judiciário,
o MP e o Mercado, não poderá ser realizada nesse período, pois implica em
mudanças na Constituição, como bem lembra a reportagem da BBC sobre o assunto (http://www.bbc.com/portuguese/brasil-43088935).
Dúvidas,
questões e apreensões
O
Exército já está, desde o ano passado, autorizado por Decreto do Presidente, a
atuar na segurança do Rio de Janeiro. Sua atuação não resolveu nada.
O
Rio não é o único nem o pior estado do país na questão da violência. Segundo o
11º Anuário de Segurança Púbica, do Forum de Segurança Pública, divulgado no
site da revista EXAME, em 4 de novembro de 2017, o Rio é o 10º colocado em
crimes violentos do Brasil (https://exame.abril.com.br/brasil/os-estados-mais-violentos-do-brasil-3/).
A
presença de tropas, somente, não resolve a questão estrutural da violência, de
forma profunda e por um longo prazo. Ocupação permanente? Como bem lembrou o
sociólogo Renato Lima, do Fórum de Segurança Pública, com a proibição de mexer
na Constituição provocada pela Intervenção, não será possível enfrentar as
questões estruturais e as mudanças que podem garantir uma melhoria profunda e
de longo prazo, tais como a natureza, as estruturas e as funções das polícias,
dentre outras questões de fundo. Que efetividade é possível alcançar com esta
medida?
Se
vai ser feito “mais do mesmo”,o que já demonstrou não ser eficaz; se isso vai
ser feito no décimo estado em gravidade da violência, qual a perspectiva de
solução?
A
Intervenção militar não foi precedida de nenhum estudo, estratégia, proposta ou
projeto de enfrentamento da questão da violência. Se ela está em níveis
insuportáveis em todo o país não seria um caso de ataca-la com políticas
públicas, e não com violência?
Não
podendo mexer na Constituição, até o final do ano, para que serve a
intervenção? Especula-se que seria para encontrar uma desculpa para o Congresso
e o Governo Temer escaparem da realização da Reforma da Previdência, cuja
rejeição pode ameaçar as eleições dos membros do Congresso e do Governo.
Como
ficam as eleições?Analisando-se politicamente, com tanta água a rolar por
debaixo da ponte após a intervenção, quem pode garantir que serão realizadas?
Lembremos que o Exército vai atuar também na questão dos imigrantes
venezuelanos. Será um ensaio para um projeto de um golpe
civil-jurídico-político-militar? Se a conjuntura caminhar para uma reação ativa
da sociedade, dos movimentos e organizações populares, contra o Governo e suas
medidas antidemocráticas e antipopulares, e as pesquisas mostrarem que os
candidatos dos golpistas tendem a não se eleger e os candidatos contrários a
esse Estado de Exceção e a favor do retorno e ampliação dos direitos e da
democracia, tendem a ser bem votados em número e representatividade, para o
Congresso e o Executivo, vai haver eleições em 2018? Será isso o que explica, em última instância, a Intervenção?
* Artigo publicado originalmente no jornal Terceira Via em 18 de fevereiro de 2018. O texto foi cedido gentilmente pelo autor para ser republicado por nós aqui no Autopoiese e Virtu.
** Cientista Social, Doutor em Planejamento Urbano e Regional.
sábado, 17 de fevereiro de 2018
Carnaval e os pés de barro da... mídia!
Carnaval e os pés de barro da...
mídia!*
George
Gomes Coutinho **
Após os festejos sob o domínio de
Momo espero que meu público leitor tenha sobrevivido aos eventuais excessos
permitidos nesta data. E como sabemos, sendo o Carnaval um de nossos ritos periódicos
mais marcantes do calendário, agora 2018 arromba a porta. Não que indícios do
que será esse ano não tenham sido apresentados em janeiro e na primeira
quinzena de fevereiro. As peças do tabuleiro continuaram se movimentando.
Algumas mais discretamente, afinal, os bastidores jamais pararam. Outras de
maneira mais notória, vide o julgamento de Lula em segunda instância no final
de janeiro.
Contudo há algo que chamou a
atenção durante o período momesco e surpreendeu analistas, o que pode ser um
indicativo de força política discursiva emergente para a conjuntura. O fato
impossível de ser ignorado foi o desfile da escola de samba de São Cristovão no
Rio, a Paraíso do Tuiuti. O desfile ocorrido na madrugada de segunda apresentou
uma narrativa que estava sufocada pela grande mídia oligopolista, o que trouxe
óbvio constrangimento para seus porta-vozes. Ao assistir o desfile carnavalesco
o público atônito pode, mediante a catarse típica do festejo, se ver e trazer o
“não dito”, o “impensé” lacaniano que pulula no inconsciente político. Tudo com
uma eficiência comunicativa de dar inveja aos atores tradicionais da política.
Não se trata de novidade a
crítica alegórica durante o Carnaval. Mesmo antes da Paraíso do Tuiuti blocos
em todos país apresentaram críticas mandando às favas os conservadores.
Contudo, o impacto simbólico provocado pelo pessoal de São Cristóvão em plena
Sapucaí nos convida a uma reflexão. Os pés de barro da grande mídia foram
expostos.
Não obstante o esforço metódico,
entediante, monocórdico e totalitário da mídia tradicional em “vender seu
peixe”, o que implica a defesa intolerante, acrítica e nada plural das
reformas, aparentemente não houve a conquista do imaginário social. A Paraíso
do Tuitui mostrou uma fratura no discurso, algo já apontando em pesquisas onde
é evidente o rechaço à pauta conservadora. Se eu fosse membro das elites
econômicas brasileiras veria o ocorrido como sinal amarelo. É preciso negociar
com os de baixo. A outra opção é a barbárie e nada mais.
* Texto publicado em 17 de fevereiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018
“Não sou escravo de nenhum senhor”
“Não sou escravo de nenhum senhor”
Por Paulo Sérgio
Ribeiro
Por um mísero
décimo, a Paraíso do Tuiutí não sagrou-se campeã do carnaval carioca. No seu lugar, levou os louros a Beija-Flor
cujo samba-enredo – “Monstro é aquele
que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu” – ecoa uma
narrativa do Brasil que tende a reduzir suas iniquidades (as massas
“abandonadas ao léu”) ao monstro secular da corrupção, notadamente àquela corrupção
atribuível aos donos do poder (“ganância veste terno e gravata”), oferecendo-nos
um grito de agonia (“Oh pátria amada, por onde andarás?”) voltado a um
horizonte de ação pontilhado pelo messianismo (“Sigo carregando a minha cruz, A
procura de uma luz, a salvação!”). Digno de uma piada pronta, o samba-enredo
campeão, que apresenta ressonâncias de discursos fomentados no e pelo
noticiário da “Lava Jato” com o seu viés maniqueísta da política brasileira (notadamente
quando a associa à experiência da esquerda no poder), fora sugerido por ninguém
menos do que Gabriel David, filho de Aniz (Anísio) Abraão David, patrono da
Beija-Flor e velho contraventor da Baixada Fluminense, condenado a 47 anos de prisão por
comandar jogos ilegais no Rio, recorrendo da sentença no TRF da 2ª região. Em
tempos de criminalização da política e politização da justiça, nada mais trivial
do que a festa de Momo redimir seus filhos mais diletos sob o manto da indignação
seletiva.
A Paraíso do Tuiutí, por sua vez, ergueu um perfeito
contraponto à Beija-Flor já no título do seu samba-enredo: “Meu Deus, meu Deus,
está extinta a escravidão?”. O lamento por um república carcomida cede lugar ao
questionamento da escravidão como pedra angular de um processo de longa duração
que jaz “um rito, uma luta, um homem de cor” no tempo presente. A constituição
desse homem e mulher despossuídos como sujeito ainda não chegou a termo em face
das metamorfoses do “cativeiro social” tão bem retratadas em suas ousadas fantasias
e carros alegóricos e sua potência cívica revelou-se na imagem da “sentinela da
libertação” contida no verso final do enredo já nascido épico. Uma das
definições possíveis de “sentinela” é a de quem guarda posição para descobrir
antecipadamente inimigos. Não seria por menos. A ação difusa desses “inimigos” se
opera num jogo de linguagem mediado diuturnamente nos jornalões pela opinião publicada das
corporações que parasitam o Estado. Em nome delas, o desfile das escolas de
sambas, dirigido para a audiência da tevê aberta em detrimento dos
trabalhadores da cultura que o viabilizam e dos foliões populares que o
prestigiam, é submetido a uma única voz, a dos “locutores”.
Esses bonecos de ventríloquo recrutados nas
redações para narrar os desfiles sequestram com seus clichês surrados a intertextualidade
própria dos sambas-enredo, confirmando-os como um espetáculo para as massas com
o qual a dramatização da desigualdade é castrada de antemão pelo monopólio de representação
da cultura popular reproduzido pela imprensa tradicional e por seus acólitos na
academia. De um lado, temos uma criação cultural autônoma, a escola de samba, pois
nela há não somente o advento de um novo gênero musical entre as décadas de 30
e 40, mas um “estar no mundo” que, antes de ter sido engolido pela indústria
cultural, potencializava uma forma narrativa de nossas tragicomédias nacionais através
da representação subversiva das relações de dominação entre classes e
estamentos num Brasil que urbanizava-se acelerada e caoticamente sem priorizar
a questão social pertinente à população negra do pós-Abolição; de outro, a
tentativa de negar a complexidade do carnaval carioca por aquilo que ele ainda invoca
de maneira provocadora: um lugar social que não se adequa facilmente à
pretensão dos intelectuais classistas de tomarmos “os pobres” como objeto.
Em sentido lato, intelectuais todos somos. Todavia, o dilema que se insinua para as pessoas que fazem do pensamento (científico,
artístico etc.) o seu ofício consiste no exercício da crítica do poder, à medida que requeira a interlocução com os dominados sem torná-la uma troca desigual, isto é, sem lhes retirar um tributo pelo privilégio do seu
saber especializado enquanto mais-valia simbólica nas lutas por
prestígio do campo intelectual. O código de análise
inerente àquele saber não é abandonado pelo intelectual no debate público,
mas este pressupõe um trânsito entre diferentes códigos na tarefa sempre inacabada
de transformar a população em povo no Brasil. Neste sentido, Jack Vasconcelos, carnavalesco da Paraíso do Tuiutí, e Jessé Souza, autor de “A elite do atraso. Da escravidão à Lava Jato”, ao qual o primeiro parece se reportar diretamente, estão em sintonia ao alargar as fendas do bloco de poder que sustenta o governo ilegítimo. Ambos seguem de perto a recomendação de Joel Rufino dos
Santos: os intelectuais classistas “se querem trabalhar enquanto intelectuais
para os pobres, devem agir entre as classes, nos seus interstícios, alimentando
o ‘espírito de cisão’”[1].
E não foi esse o “espírito” que rondou a
Sapucaí? Desnecessário dizer que “viralizou” o vídeo em que os locutores da
Globo mostram-se atônitos diante do reencontro do criador com a criatura (os “manifestoches”),
assim como foi ensurdecedor o silêncio dos mesmos diante da
denúncia contundente do golpe e dos seus subprodutos (invalidação de direitos
com a Reforma Trabalhista, regressão dos indicadores sociais...) pela Tuiutí e simplesmente patéticos os cortes durante a transmissão do carnaval fazendo seus repórteres
baterem cabeça sob os gritos a plenos pulmões do habitual “Fora
Temer!” ou do irônico “Vai dar PT!” nas praças onde estiveram país afora. O “príncipe
eletrônico” esvaneceu frente a uma folia politizada que, no Sambódromo, pediu
passagem para a soberania popular ao invés de sucumbir à condição de plateia
passiva numa democracia ferida de morte.
---
[1] SANTOS, Joel Rufino dos. Como podem os intelectuais trabalhar para os pobres? São Paulo: Global, 2004, p.253.
sábado, 10 de fevereiro de 2018
Os pés de barro do judiciário
Os pés de barro do judiciário*
George
Gomes Coutinho **
É muito pouco provável que na
atual conjuntura qualquer um(a) no Brasil não tenha recebido informações acerca
da atual polêmica dos auxílios-moradia para membros “especiais” do judiciário.
A mídia oligopolista, ou simplesmente a “grande mídia” (um punhado de empresas
com predominância discursiva e simbólica sobre todo território nacional), optou
por reverberar essa questão com estardalhaço em editoriais, análises
comparativas e colocando seus mais ruidosos agentes para falar, tal como papagaios,
sobre a questão. Escândalo fabricado.
Evidente que o judiciário só
poderia ser um “judiciário da sociedade” na medida em que seus membros são
recrutados aqui e não em Saturno ou no Éden. Em outros termos, seria pouco
provável que todos os vícios e virtudes desta sociedade não seriam encontráveis
no judiciário. Assim como também no mercado, no Estado de maneira geral, na
política, Forças Armadas, na sociedade civil, nas religiões institucionais,
etc..
Voltando ao judiciário, as informações
acerca de determinados auxílios injustificáveis, aos quais, diga-se de
passagem, determinados membros deste poder abdicam voluntariamente, também não são
novidade nesta que é uma das sociedades mais desiguais do planeta Terra. Oras,
os pés de barro são conhecidos por qualquer cidadão(ã) minimamente atento(a) há
bastante tempo. Contudo, cabe perguntarmos: por qual razão só agora a grande
mídia decidiu mostrar a nudez de seus ídolos perecíveis? Ainda mais no caso da
generalização do auxílio-moradia, uma medida que entrou em vigor em 2015.
Informo para quem me lê que estamos, não se espantem, em fevereiro de 2018. Demorou
um pouco para saírem do silêncio ruidoso não é?
A conjuntura lida com um fato
marcante após os 3 X 0 de Porto Alegre: a condenação de Lula que pode levá-lo
para a cadeia. Se a grande mídia não é monolítica, e nunca foi em virtude de
suas fraturas e disputas internas, não é exagero afirmar que Lula e sua
candidatura anti-sistêmica (ma non troppo) fora do baralho atendam a objetivos
hegemônicos dos que sustentam o discurso midiático. Talvez a crítica tardia da
mídia ao judiciário não obedeça a fins tão republicanos como gostariam algumas
de suas impolutas sereias.
* Texto publicado em 10 de fevereiro de 2018 no jornal Folha de Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
sábado, 3 de fevereiro de 2018
Discutir com Madame...
Discutir com Madame...*
George
Gomes Coutinho **
Em uma noite quente de verão
encontro amigos de longa data para uma cerveja, tira-gostos e o que chamo de
“papo sem pauta”. É um tipo de conversa Freestyle
anárquica onde há sequer a pretensão de concluir um mísero raciocínio. Na roda
surgem assuntos diversos, desde a situação da Coréia do Norte até sobre qual
seria a melhor maneira de fazer um camarão no bafo.
Tratou-se de um encontro de
partícipes de nossa classe média. Entre setores mais radicais e caretas, do
lado conservador desse grupo me deparo com uma figura que reencarna
ciclicamente no espaço público brasileiro: a Madame. Explico-me.
Conheci a “Madame” pela voz docemente
subversiva de João Gilberto há anos atrás. O gênio João imortalizou “Pra que
discutir com madame”, composição de 1956 de Haroldo Barbosa e Janet Almeida,
onde a tal “Madame”, dentre outras pretensões, se colocava como a encarnação do
“bom gosto”. O bom gosto aqui se expressa no ódio, no desprezo ao popular, a
tudo que seria coisa de “gentinha”. Não por acaso a argumentação da Madame da
música redundaria em nada menos que acabar com o samba, esse estilo musical que
“mistura gente”. Em suma, a Madame para
mim é um tipo-ideal, uma figura síntese que circula entre as classes média e alta representando a soberba elitista e o
nojo, o asco ao povo brasileiro.
Eis que Madame nos visita na
polêmica proposta de reajuste da tarifa de iluminação pública implementada pelo
governo Rafael Diniz. Madame cuspiu maribondos e ofensas. Realmente eu ponderei
se a opção política do reajuste de sopetão seria a mais inteligente. Contudo,
Madame não estava preocupada com essas frivolidades. Madame, com raiva, soltou
a pérola: “Eu vou pagar mais pros pobres pagarem nada!”. Fiquei comovido com a
demonstração de ignorância e tentei demonstrar que os pobres são ordinariamente
os mais penalizados, os que mais pagam proporcionalmente impostos em nossa
opção tributária. Que um gari, ao comprar uma lata de ervilha, paga o mesmo
percentual de impostos que o dono de um grande banco. Madame gritou ainda mais
alto. Desisti. Me lembrei do conselho na voz de Joãozinho: “Pra que discutir
com Madame?”. Mudei de assunto e voltei para a receita de camarão.
* Texto publicado em 03 de fevereiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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