O dia da "Consciência Negra" é um excelente motivo para lembrar não só da luta histórica do Povo Negro, mas principalmente para lembrar do Brasil!
Já se disse que "se existe uma história do Povo Negro sem o Brasil, não existe uma história do Brasil sem o Povo Negro" e essa é uma verdade irrefutável!
O nosso país foi construído, desde os primórdios da colonização, pela extrema violência exercida contra os povos originários e contra as várias etnias escravizadas na África, que para cá foram trazidas ao longo de mais de três séculos. Essa marca ninguém pode apagar de nossa história e nos atormenta negativamente até hoje!
Do mesmo modo, nessas condições malsãs, também foi se estruturando uma sociedade. Por baixo, amalgamando etnias e culturas numa síntese criativa, se estabeleceu um "povo novo", como gostava de dizer o grande Darcy Ribeiro, enriquecido ainda mais pela vinda de imigrantes pobres de todas as partes do mundo. Somos, portanto, um povo profundamente mestiço, que tem dentro de si a África, a Ásia e a Europa, e afirmar isso não significa, em nenhum sentido, deixar de reconhecer a profunda violência que nos marca desde sempre nem muito menos aceitar a ideia de uma "democracia racial". Mas apenas reiterar que essa é uma dimensão que nos engrandece e que nos honra diante do mundo.
Que a luta pela igualdade e contra todo tipo de discriminação continue a orientar os brasileiros que acreditam nesse país e reconhecem a presença negra como fundamental na formação do nosso povo!
E que sigamos com os ensinamentos do inspirado Gilberto Gil, ao proclamar que "a felicidade do negro é uma felicidade guerreira!"
Ao que se poderia acrescentar que toda felicidade só pode ser uma felicidade guerreira!
Viva o Povo Negro, viva o Brasil mestiço, viva os brasileiros de todas etnias que contribuiram para formar o nosso povo!
* Sociólogo. Doutor em Ciência Política (USP). Professor associado ao Departamento de Ciências Sociais (Área de Ciência Política) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus Araraquara.
Eis que que
Sérgio Silva, o polímata da Unirio, coloca mais uma das suas criações no mundo.
“Irracionalismo
de conveniência: ensaio sobre a pós-verdade” nos chega pela editora curitibana
Appris e sintetiza o conjunto de inquietações teóricas e politicas do autor.
Sérgio não só revisita autores tão diferentes como Foucault ou Adorno. Bebe na
fonte destes, penso que para ganhar fôlego e fúria, e os renova para decifrar
os desafios destas inquietantes primeiras décadas do século XXI.
Para quem quiser
ter um petisco do debate, recomendo o vídeo abaixo da conversa de Sérgio com o
querido Fabrício Neves (Unb) sobre o trabalho recém-lançado:
Também abaixo
socializo o prefácio que elaborei para este livro do Sérgio. Aos navegantes
aviso que tive a honra de ter sido orientado por Sérgio em uma das minhas vidas
na UENF. Hoje eu e ele podemos dizer que somos amigos na universidade e brothers
de armas. Ou, para ser mais preciso, brothers nas artes das seis cordas.
Finalizo dizendo
que igualmente muito me honrou o convite para escrever este prefácio. Sem
dúvida minha contribuição não dá conta da complexidade e da sofisticação da
propostacorajosa de Sérgio. Mas,
funciona como um convite para o leitor fazer o mergulho neste lançamento.
Boa leitura!
PS: O livro pode ser encontrado nas boas casas do ramo.. e, evidentemente, no site da editora Appris: https://www.editoraappris.com.br/
Das conveniências do irracionalismo - Prefácio
de “O irracionalismo de conveniência: ensaio sobre a pós-verdade, fake News e a
psicopolítica do fascismo digital” de Sérgio Pereira da Silva. Editora Appris,
Curitiba, 2021
George Gomes Coutinho
A crise do setor financeiro e imobiliário em 2008 nos EUA. A conformação
das novas e perversas dinâmicas do sistema internacional. A ascensão e
previsível queda da Terceira Via inventada, recauchutada, testada e torpedeada
por seu perfil conciliatório e pusilânime com as estruturas sociais brutais do
mundo pós-fordista. A persistência da pauperização, da precarização do mundo do
trabalho, das promessas não cumpridas e tampouco remotamente entregues no mundo
do caráter corroído discutido por Richard Sennett[1]
há tempos atrás. O suposto empresário de si, o “empreendedor” envolto em
fantasias e auto-mistificações falsamente douradas, incensado a partir de nada,
frustrado, oprimido, adoecendo sistematicamente e criando índices de sofrimento
mental ainda não detectados em outros momentos históricos. A mônada com pés de
barro.
Em meio a tudo isso há ainda a pandemia de Covid-19 enquanto escrevo que
denunciou e segue denunciando em cores, áudios, movimento e índices as
diferentes faces da desigualdade em todos os aspectos por todo globo terrestre.
Esta sociedade complexa, intrigante e com traços distópicos incomoda e
pressiona por respostas. É com este momento, onde temos tudo e não temos nada
diante de nós, que Sérgio Silva e seu trabalho se defrontam. Diria que autor e
obra corajosamente se defrontam com
mais uma das grandes crises modernas nadando de peito aberto em mar revolto.
Mas, não obstante a humanidade já ter passado por momentos disruptivos e
francamente vertiginosos, Sérgio e seu livro ressaltam menos o que há de
cíclico em nossa conjuntura, o retorno da roda, e mais os elementos
particularmente trágicos que singularizam o que vivemos. Trata-se de um trabalho de diagnóstico do tempo presente.
Antes de prosseguir penso ser relevante fazer um paralelo com um autor
que se apresenta como alma gêmea e, não obstante a sua ausência no trabalho de
Sérgio, apresentou um opúsculo em 2009 que se coloca em comunicação tão íntima
com a proposta deste livro que podemos dizer que ambos funcionam como vasos
comunicantes. Falo do crítico cultural Mark Fisher (1968-2017) e seu Realismo Capitalista[2].
Sérgio Luiz Silva e Mark Fisher são teóricos críticos em estilo livre[3].
Fisher assinalava com alguma ironia, por vezes sarcasmo e muita indignação o
cenário de terra arrasada do mundo
pós-neoliberal, tudo isso em uma narrativa que vai da cultura erudita ao pop na
velocidade da luz. O ocidente após Thatcher, Reagan, Consenso de Washington e
afins não enveredou acriticamente somente em fórmulas austericidas que
redundaram em índices assassinos de concentração de riqueza. Esta sociedade que
vivemos hoje e que não nasceu ontem, sendo tudo engendrado nas últimas décadas
na verdade, contaminou algo além da imaginação de editoralistas da mídia convencional,
policy makers e agentes coletivos ou
individuais do setor financeiro. Fisher
denunciava nada menos que subjetividade humana mutilada, decepada pela
violência simbólica de slogans como “there´s
no alternative” tal como triunfante já bradou o thatcherismo. Tanto se fez,
tanto se repetiu que não há nada além de capitalismo (e desta modalidade
específica de capitalismo), que o homem comum assim olhou diante de si um
abismo que fornece um presente eternamente cinzento e bárbaro. Um Dia da
Marmota sem final feliz. E, como
sabemos, no risco de flertar em demasia com o abismo o observador pode ser
engolido confundindo-se simbioticamente com a escuridão.
Neste cenário em que o arbítrio se coloca como relação necessária e o interessemal compreendido impõe uma ontologia postiça é que se apresentam os
sintomas discutidos por Sérgio em nossa contemporaneidade. Pós-verdade, fake
news, barbarização da opinião pública, autoritarismo, reedição do fascismo em
versão atualizada 2.0 e necropolítica. Em meio a tudo isso um capitalismo mais
do que anti-iluminista que se apresenta até mesmo com traços pós-humanos. Pulsão
de morte em ritmo de videoclipe.
As consequências desta sociedade não redundaram somente em indivíduos
dopados em um ciclo de consumo dia após dia de sujeitos aprisionados na
maldição da obsolescência programada. O projeto é de uma sociedade de tiranos e
narcisicamente orientada. Algo que a filosofia política há poucos séculos atrás
chamaria simplesmente pelo nome de guerra
de todos contra todos. Minha base humanista não vê a menor chance de isso
render bons frutos. E não tem dado.
Desta franca deterioração situada além dos limites da opinião pública,
que redundou na ressurgência dos projetos autoritários em diferentes graus e vitoriosos
nos processos de concorrência eleitoral, é difícil não reconhecer que ambos os
lados do espectro político contribuíram de maneira direta ou indireta. Nos
governos no flanco esquerdo, para além de abraçarem sem maiores questionamentos
o receituário fiscal, há aquela
arrogância costumeira. Oras, aos campeões morais o sucesso é inevitável! No
lado direito, compartilhando a mesma cartilha de políticas públicas fornecida
pelo ultraliberalismo, a insuficiência de enfrentarem de maneira honesta seus
próprios demônios. Entre progressistas e conservadores, em uníssimo, a falta de
imaginação política e de compreensão das experiências do século XX e das
demandas do século XXI. Neste ínterim, segue o mundo concreto desabando na
cabeça de milhões de pessoas que não sonhavam e não imaginavam mais qualquer
outro tipo de futuro. Eis o cenário onde grassa o chorume analisado neste
trabalho.
Sérgio compreendeu o caráter multivariado das patologias do nosso tempo. Se
armou com as armas de uma teoria crítica renovada que não abre mão da tradição
do materialismo multidisciplinar. Desejo e necessidade são olhados com lupa em
suas contradições, complementariedades e dinâmica. Teoria social, psicanálise,
sociologia e epistemologia são ferramentas habilmente combinadas. Como se não
bastasse ainda há Habermas, Foucault, Adorno, Elias, dentre outros, que são
mobilizados criativamente em novas sínteses arriscadas e que, por vezes, podem
fazer com que ortodoxos de diferentes matizes sintam certo desconforto. Mas,
pouco importa. O objeto em sua complexidade se coloca em posição de prioridade
analítica e as ousadias teóricas se justificam mais do que qualquer outra
coisa. Importa é compreender em minúcias o inferno semiótico em que estamos.
O livro de Sérgio é critica e compreensão.
Fornece um quadro interpretativo poderoso para compreendermos como a opinião
pública se tornou o ringue de vale tudo que conhecemos. E há, também, em meio
aos meandros argumentativos e analíticos que explicam o fascismo nosso de cada dia, espaço para uma esperança rebelde e
sutilmente subversiva. A utopia de Sérgio envolve a aposta em uma terapêutica
do diálogo como cura para a barbárie. Uma
atuação voltada interativamente para o entendimento, um uso da razão em uma
plenitude expressiva muito além do embotamento coisificado fornecido pela
sociedade dos cliques de curtir/descurtir. A utopia de Sérgio é pulsão de vida.
É interesse bem compreendido embebido do que há de melhor na tradição
iluminista com a qual Sérgio se agarra angustiado.
Por fim, tal como o título denuncia, temos sim um Irracionalismo de conveniência cinicamente mobilizado como resposta
aos afetos, frustrações e desalentos do horizonte árido dado pelo realismo
capitalista. Mas, o trabalho do Sérgio apresenta, na verdade, todas as inconveniências deste irracionalismo. O
preço a ser pago pelo uso de tal playbook
pode ser alto demais, insuportável eu diria. A questão é que temos tempo ainda
de evitarmos um ponto de não retorno. E este livro dá, nas brechas, algumas
possibilidades enquanto nos explica o funcionamento da hidra.
Campos
dos Goytacazes, 13 de maio de 2021.
Referências
BERMAN,
Marshall. Tudo o que é sólido desmancha
no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia das Letras, 1989.
FISHER, Mark. Capitalism realism: is there no alternative?
London: Zero Books, 2009.
HOLLERAN, Max.
Marshall Berman´s freestyle marxismo. In: New
Republic. New York City, New Republic, n. 14, abr. 2017.
SENNETT,
Richard. A corrosão do caráter:
consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo: Rio de Janeiro:
Record, 1999.
[1] SENNETT,
Richard. A corrosão do caráter:
consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro:
Record, 1999.
[2] A
edição brasileira foi publicada pela Autonomia Literária em 2020.
[3]
Devo esta expressão a Max Holleran em artigo publicado no ano de 2017 na
revista New Republic. Holleran
definiu o não menos inventivo Marshall Berman como praticante de um marxismo em estilo livre (freestyle marxism). Penso que o termo
aqui se adeque como mão e luva.
Nosso querido
amigo e professor Milton Lahuerta (UNESP-Araraquara) nos autoriza, gentilmente,
a publicar esta bela reflexão sobre a Universidade como lugar de crítica do poder e de liberdade de pensamento. Boa leitura!
⁞
Viva a universidade, viva a inteligência, viva a
vida!
Milton Lahuerta*
Diante dos ataques à universidade e à inteligência,
e do culto da morte que se está naturalizando em nosso país, vale lembrar de um
episódio ocorrido num outro momento de trevas na história do Ocidente.
No contexto de polarização fratricida que levou à
eclosão da Guerra Civil Espanhola,
empolgado com as sucessivas vitórias das forças fascistas e em resposta
ao discurso feito por Miguel de Unamuno, o general franquista José Millán
Astray, em 12 de outubro de 1936, na cerimônia de abertura do ano letivo na
Universidade de Salamanca, proferiu uma série de disparates em defesa da
brutalidade, entre eles: "Morram os intelectuais! Viva a morte!"
Ao se defrontar com tamanha ignomínia, Miguel de
Unamuno (1864-1936), intelectual e pensador liberal conservador com grande
prestígio na Espanha, dirigindo-se a Astray, não conteve a indignação e
explicitou a dramaticidade que marcou a cerimônia:
"Acabo de oír el grito de ¡viva la muerte!
Esto suena lo mismo que ¡muera la vida! Y yo, que me he pasado toda mi vida
creando paradojas que enojaban a los que no las comprendían, he de decirlos
como autoridad en la materia que esa paradoja me parece ridícula y repelente.
De forma excesiva y tortuosa ha sido proclamada en homenaje al último orador,
como testimonio de que él mismo es un símbolo de la muerte. El general Millán
Astray es un inválido de guerra. No es preciso decirlo en un tono más bajo.
También lo fue Cervantes. Pero los extremos no se tocan ni nos sirven de norma.
Por desgracia hoy tenemos demasiados inválidos en España y pronto habrá más si
Dios no nos ayuda. Me duele pensar que el general Millán Astray pueda dictar
las normas de psicología a las masas. Un inválido que carezca de la grandeza
espiritual de Cervantes se sentirá aliviado al ver cómo aumentan los mutilados
a su alrededor. El general Millán Astray no es un espíritu selecto: quiere
crear una España nueva, a su propia imagen. Por ello lo que desea es ver una
España mutilada, como ha dado a entender.
Este es el templo del intelecto y yo soy su supremo
sacerdote. Vosotros estáis profanando su recinto sagrado. Diga lo que diga el
proverbio, yo siempre he sido profeta en mi propio país. Venceréis, pero no
convenceréis. Venceréis porque tenéis sobrada fuerza bruta, pero no
convenceréis porque convencer significa persuadir. Y para persuadir necesitáis
algo que los falta en esta lucha, razón y derecho. Me parece inútil pedirlos
que penséis en España."
Viva a universidade, viva a inteligência, viva a
vida!
* Sociólogo. Doutor em Ciência Política (USP).
Professor associado ao Departamento de Ciências Sociais (Área de
Ciência Política) da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus Araraquara.
O Cine Darcy apresenta nossa próxima sessão, a exibição e debate da série: Meu bairro, Minha língua, idealizado por Vinícius Terra.
Na segunda-feira, dia 08 de novembro, às 19:00 será realizada a transmissão, pelos canais YouTube e Facebook do Cine Darcy, do primeiro episódio da websérie Meu Bairro, Minha Língua, cujo tema central é o sentido da lusofonia na construção dos territórios de língua portuguesa. Após a exibição, haverá o debate com a presença do idealizador do audiovisual, o rapper Vinícius Terra e os convidados Mila Schiavo, produtora musical e musicista, Yuri Costa, cientista social.
Mediação: Elis Miranda: Professora UFF
Sinopse:
“Descolonizar o idioma, conectar pessoas; ‘Meu Bairro, Minha Língua {...}’ é a redescoberta de nossas raízes, heranças culturais e relações históricas, por intermédio da música, a partir da aproximação de artistas da língua portuguesa.
Os bairros da língua portuguesa são o foco de percepção das mudanças no idioma e como cada artista local compreende e percebe a questão linguística e ao mesmo tempo a memória afetiva de seu bairro de origem em suas criações.
‘Meu Bairro, Minha Língua {...}’ nos dá, por intermédio da história de cada artista (suas cores, vozes, nações e origens), a oportunidade de mostrar uma língua democrática, descentralizada, descolonizada e cada vez mais alinhada ao nosso tempo.” ( Retirado do canal no YouTube do Vinícius Terra)
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