Ouvir
o fascista *
George
Gomes Coutinho **
No ano de 2015 a filósofa Marcia
Tiburi lançou o livro “Como conversar com um fascista”. A abordagem da autora,
profundamente influenciada pela teoria crítica alemã de Theodor Adorno e por referências
que dialogam com a psicanálise, entrega uma resposta negativa. Sendo o fascismo
contemporâneo um fenômeno psicopolítico, termo empregado por Tiburi, o fascista
teria por característica o fechamento cognitivo: centrado em si mesmo e nos
seus esquemas simplórios de pensamento, sua visão de mundo simplesmente nega o
outro. Dotado de um narcisismo ignorante, o fascista acredita piamente que
mediante saídas autoritárias e até militaristas seria capaz de moldar o mundo
conforme sua imagem e semelhança. Daí seu gozo com chacinas e congêneres onde a
eliminação do não-igual se materializa.
Decerto é bastante difícil
dialogar com um sujeito desses, algo que me faz concordar integralmente com
Tiburi. Afinal, o diálogo enquanto ato necessita de subjetividades desarmadas.
Em condições ideais o diálogo não ambiciona reforçar estruturas coercitivas ou
de dominação. O exercício dialógico tem por meta atingir alguma “verdade”
afinal de contas.
Mas, defendo um desafio para os
setores progressistas da sociedade. Ao menos ouvir. Sem dúvida é um duro teste
para estômagos e almas mais sensíveis. Há toneladas de preconceitos, frases
feitas, lugares comuns e piadas grosseiras de péssimo gosto. Há ainda a
irracionalidade. A questão é que estes setores tem suas vozes amplificadas no espaço
público por agentes que seqüestram suas demandas, mesmo que de forma tão ou
mais distorcida. Sem desconsiderar que capitalizam estas mesmas demandas
tornando-se adversários de peso na competição eleitoral.
O fascista apresenta demandas de
fundo que precisam ser escutadas. Sim, há problemas na transparência da
aplicação de recursos públicos e sensação de ineficiência do Estado. Por outro
lado, é fundamental tornar a sociedade mais segura. Também a educação
brasileira está aquém dos desafios de uma economia emergente em uma nação
continental como a nossa. O pulo do gato está nos setores progressistas
mostrarem que podem fazer mais e melhor diante destes desafios. Não se trata de
concordar com a arrogância fascista. O desafio é filtrar os discursos.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 28 de janeiro de 2017.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes