Oportunismo de caserna*
George
Gomes Coutinho **
Mais uma de nossas assombrações
históricas resolveu dar as caras. Reencarnada na fala de um general do exército
em palestra que ocorreu em uma loja maçônica, local dos mais apropriados para
aparições fantasmáticas, a intervenção militar nos avisou que não morreu.
Não se trata de novidade. Aqui estamos
falando de reaparições históricas. Militares, moralistas atemporais e o lado
insurrecional das esquerdas propõem, de tempos em tempos, a interrupção da
ordem institucional como solução de curto prazo a nos redimir. Podemos
sintetizar o drama no jargão “estamos contra tudo o que está aí”. Então, em um
passe de mágica onde as metáforas de higienização são utilizadas aos borbotões,
reiniciamos a História e a sociedade mediante a “limpeza” acurada e sem tréguas
de nossas instituições. Parte do judiciário de hoje aparentemente confessa a
mesma fé.
Voltemos ao general e seu discurso. Ele colocou os seguintes termos: caso o
judiciário não conclua sua assepsia de forma eficiente (eficiente para quem ou
para o que?) a solução militar não deve ser descartada enquanto opção de ação. Decerto
contou com aplausos de diversos setores da sociedade. Mais ainda, algo que
considero patológico, o general obteve a devida condescendência do alto comando
do exército. Trata-se de chantagem grave e me causa espécie a forma branda com
que esta fala foi recepcionada pelo governo Temer até agora.
Este episódio diz muito sobre nós
e nossos exorcismos incompletos. É conseqüência de um processo de anistia mal
ajambrado que tornou a ditadura civil-militar uma gestalt aberta. Somos dos
poucos países latino-americanos que não levaram adiante a punição dos crimes
praticados pelos agentes de Estado no período. Sem punição, investigação e
congêneres consideramos tacitamente que estes atos não seriam sequer crimes. Aqui
está o problema. Na miopia conservadora há instituições ou grupos da sociedade
“santificados”, vide as próprias Forças Armadas cujos agentes teriam sido
recrutados em outra galáxia e por isso seriam incapazes de praticar essas
coisas vulgares de corrupção. Este pensamento distorcido e idiota só alimenta o
oportunismo de caserna que ressurge sempre que julga conveniente.
* Texto publicado em 23 de setembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes