domingo, 28 de agosto de 2016

A Ciência Política como termômetro da conjuntura

A Ciência Política como termômetro da conjuntura* 

George Gomes Coutinho **

A Ciência Política brasileira completa neste ano de 2016 uma data histórica: o aniversário de 50 anos de criação do primeiro curso de mestrado da área na Universidade Federal de Minas Gerais. Para a ainda atualmente pequena comunidade de cientistas políticos brasileiros, o marco de 1966 indica tanto a autonomização da área de conhecimento disciplinar quanto um passo decisivo na direção da formação profissional dos seus adeptos.

Nestes 50 anos a Ciência Política tem se apresentado no cenário acadêmico, junto de suas outras co-irmãs das humanidades, como uma observadora socialmente interessada, atenta e indiscutivelmente sensível da conjuntura política. São observados em seu movimento pendular o cenário das instituições, eleições, os agentes coletivos e individuais, as regras do jogo e outras temáticas em um continuum de acumulação de conhecimento. Justamente por esta relação íntima com o fenômeno do poder, dada a especificidade desta área de conhecimento, a produção de nossa Ciência Política poderia ser acolhida pelo observador externo, ou, em outros termos, pela sociedade como um todo, como um verdadeiro termômetro das tendências da política nacional.


Neste momento há um direcionamento na agenda de pesquisas e debates na nossa Ciência Política demarcado pelo retorno das preocupações com soluções autoritárias de diversas origens e, em anexo, certa inquietação com a saúde de nosso sistema democrático. Os ventos pós-junho de 2013 continuam a soprar. Não obstante a desconcertante resiliência das oligarquias, a atenção da área migra para as mudanças circunstanciais no perfil do legislativo brasileiro, onde ocorre uma guinada francamente reacionária. Cabe compreender este movimento. Dentre temas emergentes, o judiciário como agente político cotidiano capaz de descalibrar o sistema de forças do sistema político igualmente se apresenta. Ainda, dentre as novidades, o olhar atento sobre a atuação da grande mídia como outro agente político relevante ganha a complexidade da atuação difusa de grupos nas redes sociais deflagrando ações coletivas. Caminhamos, assim, com permanências. E novas nem sempre boas.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 28 de agosto de 2016

** Professor de sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 21 de agosto de 2016

Reacionários aqui e alhures

Reacionários aqui e alhures *

George Gomes Coutinho **

O diagnóstico contemporâneo de que vivemos em uma sociedade que atravessa uma profunda transição já foi apresentado alhures, em diversas línguas e tradições das humanidades. Porém, em outra e longínqua conjuntura, talvez ninguém como o comunista sardo Antonio Gramsci (1891-1937) tenha obtido uma das formulações mais precisas e dramáticas sobre as épocas de interregno: momentos onde o novo ainda não nasceu e o velho se recusa a morrer.

As sociedades, no Brasil e no mundo, nestes primeiros 16 anos de século XXI lidam com um fluxo de circulação de informações que não encontra paralelo na trajetória humana. Neste âmbito, a circulação livre de capitais, sonho dourado de rentistas e especuladores em geral, convive com a circulação de pessoas, algo menos desejado pelos setores mais conservadores e recalcitrantes. Modos de viver surgem, alguns realmente novos e outros que já não são mais asfixiados nos calabouços dos espaços públicos,  o que implica novas formas de amar, sentir e experimentar a produção cultural e as relações afetivas. A sociedade deste início de século XXI é plural, complexa e necessita da busca por formas de convivência que consigam dar conta, de forma pacífica e democrática, desta rica diversidade humana.

Contudo, o que há de novidade em nossos tempos convive com o que se recusa a morrer.
 
Os agrupamentos que se “recusam a morrer” simbolicamente neste momento buscam na nostalgia, ou na invenção de um passado mítico pouco crível, forças para a reação. Por isso o termo “reacionário” nos auxilia a compreender as tentativas desesperadas e artificiais da aniquilação da diversidade nascente e da plêiade de direitos conquistados por diversos agrupamentos sociais. Sejam os eleitores brancos, cristãos e redneck de Trump, os simpatizantes da extrema-direita européia e as viúvas da ditadura civil-militar brasileira. Todos estes agrupamentos reacionários apresentam em sua pauta a interpretação passadista, vide o “fazer a América grande de novo”, como mote para flertar com soluções totalitárias e autoritárias de maneira geral. O grande problema é que a História, aquela senhora invisível a nos assombrar, sempre lembra que o reacionarismo convive de braços dados com seu co-irmão: o fascismo.


* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 20 de agosto de 2016

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 14 de agosto de 2016

O grande condomínio olímpico

O grande condomínio olímpico *

George Gomes Coutinho  **

No último ano Christian Dunker, professor titular em Psicanálise e Psicopatologia da USP, trouxe ao mundo a obra “Mal-estar, sofrimento e sintoma”, publicado pela Boitempo Editoral. O livro, extremamente ambicioso e potente em termos de correlações entre a teoria social e a psicanálise, apresenta como um dos seus grandes argumentos para interpretar o Brasil contemporâneo uma nova patologia social: a sociedade condominial.

Para Dunker, a sociedade condominial se caracteriza na prática como aquela dotada da criação de espaços artificiais privatizados e por vezes assépticos onde o controle repressivo, a homogeneização estética e social e a sociabilidade neurótica se encontram de mãos dadas. Encerrados em verdadeiras cidadelas adultos são infantilizados com a promessa, certamente impossível de se realizar, da supressão da complexidade diante do inevitável encontro com outro, o alter. O outro, em última instância, é todo aquele que não se enquadra nos parâmetros tradicionais e/ou desejáveis e nos lembra que neste universo não iremos conviver somente de forma entediante e previsível entre “meus iguais”. Este outro, ainda, traria o comportamento indesejável ou a crueza do real em sociedades que são, quer se goste ou não, plurais, complexas e, especialmente em nosso caso, francamente desiguais.  Nestes termos, shopping centers e condomínios são expressões de um mesmo fenômeno social.

Não é por acaso que o complexo olímpico carioca tem sido igualmente comparado a um shopping ou a um condomínio e seu funcionamento é análogo. Francamente repressivo, inclusive na batalha quase sem tréguas à liberdade de expressão e excludente quanto a todos “os não iguais” e sem o convite. Trata-se de uma grande área VIP. O objetivo é isolar o indesejável, o real, o imprevisível, como se assim fosse realizável. O grupo gestor local, o Comitê Rio 2016, se apresenta como o “síndico” ávido por considerar de forma autocrática o que pode ou não pode ser feito. Neste sentido, as manifestações visuais e pacíficas contra o governo interino foram inconstitucionalmente desbaratadas enquanto expressão do “real” não convidado. Afinal, o que é a Constituição de 1988 frente às leis soberanas e neuróticas de um condomínio?

* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 13 de agosto de 2016


** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

domingo, 7 de agosto de 2016

Contra o argumento ad hominem

Contra o argumento ad hominem*

George Gomes Coutinho **

Dentre os sintomas identificáveis no Brasil contemporâneo politicamente polarizado se apresenta de forma constrangedora um inegável empobrecimento discursivo expresso em nossa opinião pública.  Deste grave problema podemos identificar déficits cuja parte da responsabilidade cabe aos grupos formuladores, aqueles que usualmente apresentam as grandes sínteses e propostas coletivas. Políticos tradicionais, intelectuais profissionais ou não e ativistas dos movimentos coletivos talvez se vejam fragilizados na sua posição de formuladores. Há razões múltiplas. Seja pela incapacidade de criação de idéias e projetos realmente inovadores e convincentes ou os outros tantos que sofreram e sofrem arranhões em sua credibilidade e, por fim, há também os que encontram entraves derivados da dificuldade de transpor as barreiras de comunicação que possam atingir corações e mentes neste momento de crise política. 

As conseqüências deste vazio são diversas e o aparecimento de proposições requentadas, simplórias e pouco críveis é somente uma delas. Mas, irei me ater a que considero como uma das conseqüências mais insidiosas e destrutivas: a larga utilização do argumento ad hominem como arma política.

Ad hominem, termo oriundo do latim utilizado para caracterizar argumentos falaciosos e/ou ilógicos, significa “ao homem” ou “à pessoa”. Em outros termos, diante do interlocutor não são discutidas as propostas e projetos de sociedade em pauta. De forma pouco nobre, o objetivo é destruir a pessoa. Abandona-se o debate saudável e plural de idéias que leva água ao moinho de qualquer sociedade democrática em prol da eliminação moral. Não por acaso, a despeito do posicionamento político, a prática do que os adeptos chamam de “escracho” em lugares públicos, sendo praças, aeroportos ou restaurantes os locais de preferência para o uso deste expediente, guarda afinidades com o linchamento. Como forma de justiçamento, seria linchamento simbólico portanto.  A indignação, justa em determinadas ocasiões, se mostra com a máscara anônima do ódio em meio ao grupo. Por tudo isso, o argumento ad hominem é somente a expressão violenta e anti-democrática da incapacidade de construir consensos.


* Texto publicado no Jornal Folha da Manha de Campos dos Goytacazes em 06 de agosto de 2016

** Professor de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes