Normalopatia*
George
Gomes Coutinho **
Na última semana revisitei o
caminho percorrido pelo neologismo “normalpatas”. Originalmente apresentado por
Luiz Ferri Barros o termo foi apresentado para designar indivíduos com apego
patológico ao conjunto de normas estabelecidas na sociedade, o que deriva tanto
em uma percepção hipertrofiada das leis e afins quanto a uma idéia de
“normalidade” distorcida. Em João Pereira Coutinho “normalpatas” adquire duas outras
conotações: 1) “normalpatas” torna-se veículo para criticar a “normalização” e
padronização dos sujeitos proposta pela psiquiatria; 2) melancolicamente redunda
em uma justificativa para que preconceitos sejam inatacáveis e fiquem onde
estão. Ou seja, Coutinho, ao fim e ao cabo, faz um uso a um só tempo crítico e
conservador de sua apropriação da nova palavra. Este fato por si só já nos
retira da assepsia da neutralidade. O entendimento humano e até mesmo o debate
só aparentemente desencarnado sobre conceitos, termos e palavras jamais é
desinteressado.
Dentre os caminhos de
“normalpatas” há mais uma derivação, a que considero a mais produtiva:
normalopatia. Tal como é discutida pelo ensaísta e professor titular de
psicanálise na USP Christian Dunker, normalopatia é uma estrutura. Ou seja, não
desconsiderando a adesão acrítica e quase fanática dos “normalpatas”, que se
esforçam de maneira desmesurada em se apresentarem enquanto “normais”, há a
pressão exercida pelo entorno sobre a subjetividade dos sujeitos. Na
normalopatia nem só os “normalpatas” são os sofredores potenciais. Todos somos.
O que a reflexão de Dunker nos
incita é a olharmos de forma desnaturalizada nossos padrões, normas, nosso zeitgeist
(espírito-do-tempo). O que consideramos por normal e legítimo, aquilo que
efetivamente se encontra na média comportamental aceita e concretizada nas
ações e discursos, o que chamamos de ordem estabelecida, redunda em formas de
se relacionar com os nossos arredores e implica em maneiras socialmente
aceitáveis de sofrer e obter prazer. A normalopatia em que vivermos conforma o
que temos de mais íntimo e profundo, nosso self, e o que há de aparentemente
mais distante, as nossas instituições. O que inclui a política.
* Texto publicado em 21 de outubro no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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