Normalpatas*
George
Gomes Coutinho **
Os conceitos são instrumentos de
análise por vezes sintéticos e sempre discursivos que tentam reduzir a real complexidade
de um fenômeno para explicá-lo. Só não são estáticos. Tem sua origem,
desenvolvimento e metamorfoses. Em sua estrada podem se tornar mais precisos,
ganham nuances e, em alguns casos, até mesmo negam seu significado original.
Vejamos o caso de “normalpatas”.
Luiz Ferri Barros, fundador da
sociedade de Psicóticos Anônimos de São Paulo, em 1999 lançou pela editora
Imago o seu “Os Normalpatas, não matei Jesus e outros escritos”. Barros
provavelmente é o pai do termo “normalpatas”. Em seu livro, entre ironias,
reflexões densas e bom humor, ele definiu os “normalpatas” como aqueles que
excedem os limites daquilo que a própria sociedade determina por “normalidade”.
Mais cristãos que Cristo seriam estes os heróis encarnados da moral idealizada
e beatos devotados da lei. Porém Barros observa acidamente que os “normalpatas”
não são tão retos quanto pretendem demonstrar. Só não sofrem o estigma daqueles
que seriam usualmente chamados de loucos.
João Pereira Coutinho, escritor
português e doutor em ciência política, apresentou em 2009 no jornal Folha deSão Paulo sua interpretação do que seria o “normalpata”. O caminho de Coutinho envereda
na crítica ao “Diagnostic and Statistical Manual of Mental
Disorder” (Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais em tradução
livre). Doravante chamaremos o manual de DSM e o autor dialogou com a quarta
versão do texto.
De fato o
DSM-IV classifica uma enorme gama de comportamentos como “desordens mentais”, o
que inclui até mesmo assaltar a geladeira, e projeta uma noção de indivíduo
asséptica e padronizada. Cria um molde de “normalpatas” sem alma. O autor
português defende legitimamente a diversidade humana contra esta padronização.
Mas, ele pesa a mão conservadora: em defesa da diversidade as intolerâncias,
preconceitos e afins seriam uma resposta subversiva e autêntica contra a
padronização. No final Coutinho apenas defende a dominação mais a seu gosto do
que a da medicina.
* Texto publicado em 14 de outubro no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
Nenhum comentário:
Postar um comentário