segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Normalpatas

Normalpatas* 

George Gomes Coutinho **

Os conceitos são instrumentos de análise por vezes sintéticos e sempre discursivos que tentam reduzir a real complexidade de um fenômeno para explicá-lo. Só não são estáticos. Tem sua origem, desenvolvimento e metamorfoses. Em sua estrada podem se tornar mais precisos, ganham nuances e, em alguns casos, até mesmo negam seu significado original. Vejamos o caso de “normalpatas”.

Luiz Ferri Barros, fundador da sociedade de Psicóticos Anônimos de São Paulo, em 1999 lançou pela editora Imago o seu “Os Normalpatas, não matei Jesus e outros escritos”. Barros provavelmente é o pai do termo “normalpatas”. Em seu livro, entre ironias, reflexões densas e bom humor, ele definiu os “normalpatas” como aqueles que excedem os limites daquilo que a própria sociedade determina por “normalidade”. Mais cristãos que Cristo seriam estes os heróis encarnados da moral idealizada e beatos devotados da lei. Porém Barros observa acidamente que os “normalpatas” não são tão retos quanto pretendem demonstrar. Só não sofrem o estigma daqueles que seriam usualmente chamados de loucos.

João Pereira Coutinho, escritor português e doutor em ciência política, apresentou em 2009 no jornal Folha deSão Paulo sua interpretação do que seria o “normalpata”. O caminho de Coutinho envereda na crítica ao “Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorder” (Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais em tradução livre). Doravante chamaremos o manual de DSM e o autor dialogou com a quarta versão do texto.

De fato o DSM-IV classifica uma enorme gama de comportamentos como “desordens mentais”, o que inclui até mesmo assaltar a geladeira, e projeta uma noção de indivíduo asséptica e padronizada. Cria um molde de “normalpatas” sem alma. O autor português defende legitimamente a diversidade humana contra esta padronização. Mas, ele pesa a mão conservadora: em defesa da diversidade as intolerâncias, preconceitos e afins seriam uma resposta subversiva e autêntica contra a padronização. No final Coutinho apenas defende a dominação mais a seu gosto do que a da medicina.

* Texto publicado em 14 de outubro no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

Nenhum comentário:

Postar um comentário