O grande condomínio
olímpico *
George
Gomes Coutinho **
No último ano Christian Dunker,
professor titular em Psicanálise e Psicopatologia da USP, trouxe ao mundo a
obra “Mal-estar, sofrimento e sintoma”, publicado pela Boitempo Editoral. O
livro, extremamente ambicioso e potente em termos de correlações entre a teoria
social e a psicanálise, apresenta como um dos seus grandes argumentos para
interpretar o Brasil contemporâneo uma nova patologia social: a sociedade
condominial.
Para Dunker, a sociedade
condominial se caracteriza na prática como aquela dotada da criação de espaços
artificiais privatizados e por vezes assépticos onde o controle repressivo, a
homogeneização estética e social e a sociabilidade neurótica se encontram de
mãos dadas. Encerrados em verdadeiras cidadelas adultos são infantilizados com
a promessa, certamente impossível de se realizar, da supressão da complexidade
diante do inevitável encontro com outro, o alter. O outro, em última instância,
é todo aquele que não se enquadra nos parâmetros tradicionais e/ou desejáveis e
nos lembra que neste universo não iremos conviver somente de forma entediante e
previsível entre “meus iguais”. Este outro, ainda, traria o comportamento
indesejável ou a crueza do real em sociedades que são, quer se goste ou não,
plurais, complexas e, especialmente em nosso caso, francamente desiguais. Nestes termos, shopping centers e condomínios
são expressões de um mesmo fenômeno social.
Não é por acaso que o complexo
olímpico carioca tem sido igualmente comparado a um shopping ou a um condomínio
e seu funcionamento é análogo. Francamente repressivo, inclusive na batalha
quase sem tréguas à liberdade de expressão e excludente quanto a todos “os não
iguais” e sem o convite. Trata-se de uma grande área VIP. O objetivo é isolar o
indesejável, o real, o imprevisível, como se assim fosse realizável. O grupo gestor
local, o Comitê Rio 2016, se apresenta como o “síndico” ávido por considerar de
forma autocrática o que pode ou não pode ser feito. Neste sentido, as
manifestações visuais e pacíficas contra o governo interino foram
inconstitucionalmente desbaratadas enquanto expressão do “real” não convidado.
Afinal, o que é a Constituição de 1988 frente às leis soberanas e neuróticas de
um condomínio?
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 13 de agosto de 2016
** Professor
de Sociologia no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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