O
suicídio como síntese da sociedade*
George
Gomes Coutinho **
A virada de 2016 para 2017 nos
brindou com mais uma tragédia. O assassinato de uma família seguida do suicídio
do próprio autor em Campinas, SP. Em um breve diálogo com um amigo que milita
na medicina o diagnóstico psiquiátrico foi sintético: um surto psicótico. Um
outro reforça o ato como crime passional. Porém, irei me ater ao “testamento”
do suicida/assassino.
Cartas de suicidas são
fundamentais para compreendermos o incompreensível. Permitem trafegar pelo
consciente, aquilo que se apresenta como o conjunto de motivações explícitas e,
de maneira menos óbvia, vislumbrar as entrelinhas sombrias da psique de quem
decide como último ato tirar a própria vida. E a carta de Sidnei Ramis de
Araújo, o “homem de bem”, diz muito mais sobre a nossa sociedade do que se pode
supor. Vivemos em uma sociedade pautada pela vingança. Um ato individual pode
ser uma síntese cristalina de um momento histórico.
A pauta política apresentada pela
carta apresenta o seguinte conjunto de elementos nada estranhos para quem
costuma ler os comentários nos sites das grandes agências de notícias: 1) A
repulsa das práticas que defendem direitos humanos, embora que sem estes não seja
possível o Estado Democrático de Direito; 2) O moralismo como valor
inquisitorial onde se identifica a corrupção como o grande elemento a explicar
a débâcle brasileira contemporânea; 3) O ódio especialmente direcionado para a
classe política sedenta por “riqueza e poder”, embora não se encontre ninguém
deste grupo social dentre os 10 mais ricos do Brasil; 4) A misoginia. Neste
último ponto, em uma breve análise de conteúdo, a palavra mais utilizada na
carta foi o adjetivo “vadia” no singular e no plural. Isto depois de pronomes e
artigos inocentes.
Sidnei acreditava representar os
“trabalhadores honestos” e em nome destes partiu para seu ato derradeiro.
Vingou seus representados disparando contra uma família que também era sua.
Dentre os mortos, no total de 13 pessoas, incluindo o próprio assassino, somam-se
09 mulheres. As tais odiadas “vadias”. O ato materializa em violência concreta
a violência simbólica tolerada no espaço público e vista como “direito de
opinião” por seus porta-vozes. Sidnei aprendeu de maneira exemplar o discurso
de ódio que lhe ensinaram. O problema é que ele não foi o único.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 07 de janeiro de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
Belo texto Professor. Parabéns.
ResponderExcluirGrato pelo retorno generoso Joel.
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