Meu bunker, minha vida *
George Gomes Coutinho **
Na última semana, entre quinta e sexta-feira, ocorreu um fenômeno preocupante para se acompanhar enquanto sociólogo na sociedade de massas: uma onda coletiva irracional de pânico. A onda foi absolutamente fiel aos meios e modismos de comunicação e informação dos dias que correm e houve a utilização plena do cardápio digital em Campos dos Goytacazes. Áudios de whatsapp onde supostamente uma magistrada, que certamente não se identificou, aconselhava a todos(as) os(as) cidadãos(as) e ficarem em suas casas. Fotos de eventos ocorridos em outros momentos históricos igualmente circulavam apresentadas como prova inconteste e tal como se estivessem ocorrendo em tempo real. Em termos práticos comerciantes esvaziaram vitrines, escolas particulares cancelaram um dia letivo e a população foi para supermercados e farmácias comprar alimentos, remédios, produtos de higiene e afins. Um cenário distópico digno de séries e filmes apocalípticos.
Pensei que um lema adequado para o evento seria “meu bunker, minha vida”. Diante de um cenário de caos a reação imediata foi a individualização radical da proteção, mesmo que inócua. Se o temor seria do movimento da horda fico a pensar se meramente se trancar em casa produziria bom resultado. O medo se traduziu em uma reação digna dos personagens do cineasta de terror George Romero em seus filmes de zumbis. Haveria o “nós” e “os outros” sem qualquer possibilidade de diálogo. Fujam para as colinas! No dia seguinte, tudo sob controle.
Entre o trágico e o cômico pensei se não haveriam lições a serem tiradas deste episódio. Irei apresentar uma que é urgente. Em uma sociedade onde todos(as) produzem informação, nunca foi tão vital a checagem dos fatos, o confronto com outras fontes, etc.. Práticas simples incentivadas pelo pensamento crítico e pelo bom senso que mantém a sanidade mental.
Por outro lado uma reflexão grave. A onda de pânico motivada pelo boato da paralisação das atividades da Política Militar do RJ revela algo seríssimo. Aparentemente atingimos uma débâcle civilizatória onde o aparato de violência estatal se apresenta como o único garantidor do tecido social na conjuntura. Péssimo sinal.
* Texto publicado no Jornal Folha da Manhã em 18 de fevereiro de 2017
** Professor Adjunto de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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