Medicalização
da psique*
George
Gomes Coutinho **
Irei arriscar uma reflexão sobre
um fenômeno distinto daquele que cientistas sociais usualmente enveredam. Contudo,
na atual conjuntura penso ser um debate pertinente por se tratar também de um
fenômeno social e crescente, portanto, não somente individualmente cognitivo ou
fisiológico. Falo sobre a medicalização do sofrimento psíquico.
A Organização Mundial de Saúde,
doravante OMS, publicou em fevereiro deste ano um relatório intitulado
“Depression and Other Common Mental Disorders” onde, a partir de dados
referentes ao ano de 2015 o Brasil figura com 5,8% de sua população, 11,5
milhões de brasileiros, sofrendo dos males da depressão. É o terceiro lugar da
lista mundial e o primeiro da América Latina. No mesmo relatório apresenta-se
que 9,3% da população brasileira sofre de ansiedade e transtornos equivalentes.
Neste caso, dentre todos os países pesquisados em todos os continentes, o Brasil
é o campeão mundial com a maior população ansiosa do planeta.
Não por acaso o incremento da
venda de medicamentos nesse âmbito, o que envolve ansiolíticos e
antidepressivos, cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Segundo dados da
IMS Health, estes medicamentos só perderam no ranking de consumo no Brasil para
os relativamente inocentes analgésicos. Claro que em determinados casos
específicos, onde todas as outras hipóteses de outras patologias foram
descartadas, o uso de drogas se apresenta como válido e necessário. Por outro
lado, a própria OMS considera que há a possibilidade do uso indiscriminado
destes medicamentos em todo o mundo.
Este cenário que inclui a
ampliação dos “sofrimentos da alma” e sua medicalização, correta ou
indiscriminada, é absolutamente relevante no país do samba, do futebol e do
carnaval. Primeiramente implica
discutirmos com seriedade os elementos psicossociais que derivaram no cenário
descrito parágrafos acima. Trata-se de um problema de saúde pública. Em segundo
lugar, a busca por soluções medicamentosas, onde se repete o rito da sociedade
de consumo que crê ser viável comprar de tudo, inclusive o bem-estar, se
apresenta. Não custa frisar que para determinados sofrimentos da existência uma
pílula jamais tomará o lugar da profunda reflexão.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 01 de abril de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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