domingo, 2 de abril de 2017

Medicalização da psique

Medicalização da psique*

George Gomes Coutinho **

Irei arriscar uma reflexão sobre um fenômeno distinto daquele que cientistas sociais usualmente enveredam. Contudo, na atual conjuntura penso ser um debate pertinente por se tratar também de um fenômeno social e crescente, portanto, não somente individualmente cognitivo ou fisiológico. Falo sobre a medicalização do sofrimento psíquico.  

A Organização Mundial de Saúde, doravante OMS, publicou em fevereiro deste ano um relatório intitulado “Depression and Other Common Mental Disorders” onde, a partir de dados referentes ao ano de 2015 o Brasil figura com 5,8% de sua população, 11,5 milhões de brasileiros, sofrendo dos males da depressão. É o terceiro lugar da lista mundial e o primeiro da América Latina. No mesmo relatório apresenta-se que 9,3% da população brasileira sofre de ansiedade e transtornos equivalentes. Neste caso, dentre todos os países pesquisados em todos os continentes, o Brasil é o campeão mundial com a maior população ansiosa do planeta.

Não por acaso o incremento da venda de medicamentos nesse âmbito, o que envolve ansiolíticos e antidepressivos, cresceu vertiginosamente nos últimos anos. Segundo dados da IMS Health, estes medicamentos só perderam no ranking de consumo no Brasil para os relativamente inocentes analgésicos. Claro que em determinados casos específicos, onde todas as outras hipóteses de outras patologias foram descartadas, o uso de drogas se apresenta como válido e necessário. Por outro lado, a própria OMS considera que há a possibilidade do uso indiscriminado destes medicamentos em todo o mundo.

Este cenário que inclui a ampliação dos “sofrimentos da alma” e sua medicalização, correta ou indiscriminada, é absolutamente relevante no país do samba, do futebol e do carnaval.  Primeiramente implica discutirmos com seriedade os elementos psicossociais que derivaram no cenário descrito parágrafos acima. Trata-se de um problema de saúde pública. Em segundo lugar, a busca por soluções medicamentosas, onde se repete o rito da sociedade de consumo que crê ser viável comprar de tudo, inclusive o bem-estar, se apresenta. Não custa frisar que para determinados sofrimentos da existência uma pílula jamais tomará o lugar da profunda reflexão.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 01 de abril de 2017


** Professor de Ciência Política no Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes

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