Meritocracia
e Igualdade*
O Professor Marcus Cardoso perguntou aos
seus estudantes se eles acreditavam na meritocracia – ideologia segundo a qual,
resumidamente, o sucesso de um sujeito seria decorrente de suas qualidades e
esforços. Os estudantes pareceram de acordo com a interpretação meritocrática
do mundo, afinal, cresceram ouvindo que “Deus ajuda quem cedo madruga” e coisas
do tipo. A partir da premissa de uma igualdade entre todos, foi proposto um
desafio inusitado: o professor colocou em cima de sua mesa uma lixeira e pediu
para que cada estudante fizesse uma bolinha de papel. Quem acertasse a bolinha
dentro da lixeira ganharia um ponto na média do curso. Rapidamente os
estudantes se deram conta de que aqueles que estavam sentados nas cadeiras do
fundo tinham menos chances de acertar a lixeira do que aqueles que estavam
sentados no início das filas – que atingiam o alvo apenas esticando os braços.
Para surpresa de todos, um aluno, sentado no fundo da sala, conseguiu acertar a
lixeira. De maneira súbita, o professor revelou sua metáfora para a vida social:
“temos um Sílvio Santos entre nós!”.
A ideologia meritocrática ajuda a encobrir
as desigualdades marcantes de nossa estrutura social. Acreditar que o sucesso
depende do esforço individual sem considerar que as condições de competição são
extremamente díspares é uma forma de perpetuar a segregação e a desigualdade.
Existem os casos de pessoas que superaram todas as dificuldades e “venceram na
vida”. São casos, mas não configuram uma realidade estrutural.
Imagine, então, uma situação hipotética.
Joãozinho tem dez anos, mora em uma favela e estuda em uma escola pública que
não abriu suas portas hoje porque houve um tiroteio entre traficantes. Enzo
também tem dez anos, mora em uma área nobre da cidade e estuda em uma escola de
renome, cuja mensalidade custa R$4.200 – mais do que a renda da família de
João. O que os dois meninos têm em comum? Ambos querem ser médicos. Se a
ideologia meritocrática estiver correta, ambos possuem as mesmas chances, pois
precisam apenas empenhar-se. Se fosse um jogo e estivesse valendo dinheiro, em
quem o leitor depositaria suas apostas?
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
*Publicado na Página 04 do Jornal Folha da Manhã de 03 de Março de 2018
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