Gênero
na Escola?*
Muito se
tem falado sobre a abordagem de “questões de gênero” nas escolas. Há projetos
de lei que pretendem proibir essas discussões no ambiente escolar e
classificam-nas como “doutrinação” pautada na “ideologia de gênero”. Denominam
“ideologia” no intuito de destacar a artificialidade das ideias pertencentes a
grupos determinados e seu afastamento do plano do “natural”. O discurso,
moralista e moralizante, se pretende racional e coerente, com pitadas de
ciência, mas, no final das contas, acaba sendo o reflexo e desdobramento, aqui
sim, de uma ideologia: a ideologia machista
(androcêntrica/falocêntrica/patriarcal). Pois quando se busca discutir questões
de gênero nas escolas, isso é feito a partir da reflexão teórica e conceitual
estabelecida por intelectuais de distintos campos do saber: Margaret Mead,
Simone de Beauvoir, Pierre Bourdieu, Michelle Perrot etc. O que há de comum entre todos é o debate
crítico sobre como os papéis sociais atribuídos a homens e mulheres são
justificados por argumentos biológicos que se desmantelam diante da reflexão
sobre as masculinidades e feminilidades apresentadas em diferentes períodos
históricos ou, sincronicamente, em diferentes culturas.
Discutir
gênero na escola não é uma doutrinação, mas pode ser uma libertação para todos
aqueles que sentem não preencher satisfatoriamente, seja lá o que isso for, os
papéis de gênero que lhes foram designados como de “homem” ou de “mulher”. Não se trata de “kit gay” para
criar gays, mas sim de um processo educacional que visa proporcionar condições
para que pessoas não sofram preconceitos cotidianamente. Trazer o debate sobre
questões de gênero para as escolas é promover o respeito e a cidadania. Assim
como aprendemos na escola que existem outros regimes políticos e econômicos - e
não aderimos a eles -, podemos aprender que também existem outros arranjos
familiares e afetivos, sem que isso seja uma imposição. A necessidade de
debater gênero nas escolas se deu porque o machismo nunca precisou estar nos
currículos oficiais para ser ensinado nas escolas, nas mesas de jantar, nos
parquinhos etc.
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
* Artigo publicado em 04 de Agosto de 2018 na Página 04 do Jornal Folha da Manhã.
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