Distopias e
retrotopia*
George
Gomes Coutinho **
A sociedade moderna desde o seu
nascedouro tem uma particularidade constitutiva: a projeção de futuros
possíveis seculares onde a vida humana seria melhor. Sobre o “melhor”, onde
aponto evidentemente para uma distinção qualitativa positiva diante do que é
apresentado no agora, temos diferentes respostas. O iluminismo, o socialismo, a
social-democracia, o liberalismo, o anarquismo, etc., cada uma destas tradições
filosóficas e/ou políticas tem suas próprias versões sobre o que seria
coletivamente o desejável, o justo e o bom. Contudo, todas estas vertentes, não
obstante suas diferenças, defendem um olhar esperançoso sobre a sociedade
vindoura. É a resposta radicalmente humanista e mundana ao paraíso judaico-cristão.
Nestes termos não deveria passar
indiferente a ausência de uma perspectiva positiva sobre o futuro em nossa
época no ocidente. Não por acaso dois pensadores diametralmente diferentes notam
que a imaginação, seja política ou cultural, flerta perigosamente com o
abandono do futuro. Slavoj Zizek (1949) diria que o nosso tempo é demarcado por
distopias. Zygmunt Bauman (1925-2017) ressalta o surgimento das retrotopias.
Zizek em vários momentos da sua
obra recente e especialmente no documentário “The Pervert´s Guide to Ideology”
(O Guia Pervertido da Ideologia) de 2012 se propõe a analisar a relação entre
ideologia e produção cinematográfica. Entre gracejos e ironias, marcas do
pensador esloveno, o autor nota que parte da produção cinematográfica
norte-americana contemporânea é demarcada por catástrofes, aniquilação do
planeta ou da espécie humana, predominância de máquinas sobre os humanos, etc..
Ou seja, futuros distópicos onde é mais usual imaginar um futuro sombrio do que
uma sociedade humana melhor.
Bauman em obra póstuma lançada
pela Polity Press esse ano chamada “Retrotopia”, ainda sem tradução entre nós, ressalta
um outro movimento que vejo como complementar: sem imaginar um futuro damos um
salto para trás na imaginação política idealizando o passado. Por conta disso o
retorno dos fantasmas autoritários/totalitários do século XX tem ressurgido em
diversas nações enquanto um sintoma desta falência da elaboração criativa e
humanista da esperança.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 22 de julho de 2017
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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