Perigos
da percepção*
George
Gomes Coutinho **
Desde Adam Smith, o fundamental
economista escocês do século XVIII, os liberais mais conscientes jamais tiveram
uma relação religiosa e dogmática com a “mão invisível”. Sabem que a tal “mão”
do mercado não funciona enquanto entidade onipresente, onisciente e onipotente
substituindo o Deus judaico-cristão. Há uma série de condições para que a
racionalidade dos agentes tenha a possibilidade real de fazer intervenções de
qualidade e que o mercado se auto-organize. Um destes elementos fundamentais envolve
as informações que o sujeito detém ou não em uma transação. De outro modo as
decisões humanas poderiam se contentar com conselhos de cartomantes, leitura da
borra de café e outros métodos divinatórios.
Neste espírito é muitíssimo
bem-vinda a pesquisa “Perils os Perception” (Perigos da Percepção) do Instituto
Ipsos Moris divulgada na última semana. A pesquisa, realizada em 38 países
centrais e “em desenvolvimento”, tenta mensurar a qualidade da percepção dos
cidadãos comuns ante o real. Em outras edições a pesquisa tentou construir um
“índice de ignorância” e agora optou-se pelo eufemismo “percepção distorcida”.
Em suma, a pesquisa averigua o quanto o sujeito sabe de fato sobre os problemas
e questões do seu país. O Brasil, dentre os 38, ficou no “vice-campeonato” dos
que menos detém informações de qualidade sobre a realidade em que vivem. O
primeiro lugar ficou com a África do Sul.
Este é mais um dos muitos alertas
amarelos para o ano eleitoral de 2018. Afinal, o sistema de competição
eleitoral, que mantém funcionamento análogo aos mercados, se pauta pela escolha
dos eleitores diante de um leque de opções pré-determinado de candidatos e
siglas. Tal como no mercado, sem informações de qualidade o eleitor tende a
fazer escolhas “subótimas”. O problema é que os responsáveis por esse quadro de
desinformação generalizada são muitos. Mídia impressa e televisiva, mercado,
Estado e a própria sociedade. Como não é possível reverter a posição no
“ranking da ignorância” no curto prazo, as agências e profissionais de
“checagem de fatos” serão fundamentais para mitigar um cenário que já será
bastante perverso. Afinal, não será raro votarem no que “acham que é”, embora
de fato não o seja.
* Texto publicado em 16 de dezembro de 2017 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
** Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes, RJ.
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