Judiciário e instabilidade*
George
Gomes Coutinho **
Por esses dias encontrei de
maneira casual um grande amigo que atua nos arredores do judiciário federal. No
nosso papo houve um ponto de contato compartilhado: a perplexidade diante do
atual estado de coisas. Não obstante nossas formações serem diferentes, ele no
direito e eu nas ciências sociais, a inquietação envolveu uma interpretação
estrutural de onde partimos mutuamente para analisar a conjuntura. Sabemos que
em nosso país o Estado Democrático de Direito merece termos anexos tais como
“incompleto”, “insuficiente”, “distorcido”, etc.. Contudo, há algo de novidade
histórica nos dias que correm.
No papo não agendado, o que
poderia ser um “olá, como vai?” de poucos minutos redundou em um diálogo
situado entre o desencantamento e lamentações sombrias. O gatilho para essa
conversa foi provocado pela intervenção do judiciário, mais uma de trocentas, na
nomeação de Cristiane Brasil para o Ministério do Trabalho e Emprego. Alerto
que me recuso a entrar na armadilha do argumento ad personam. O que está em jogo é mais do que a biografia da
ilustre deputada ou o ilegítimo governo Temer. A pergunta que devemos fazer é
se cabe, se é razoável, justo ou desejável que o judiciário faça intervenções
de tal monta em decisões políticas e de Estado. Afinal, um juiz de primeira
instância conseguiu, empoderado pela própria conjuntura e reafirmado em segunda
instância, produzir interferências em nada mais e nada menos do que a nomeação
de uma ministra de Estado pelo presidente da república. Isto por acaso é mera
paisagem tal como a opinião pública anda interpretando?
Ora, a arma da intervenção
política judicial, utilizada e aplaudida pela própria base atual de Temer na erosão
do segundo governo Dilma e disparada contra Lula em seu processo frustrado de
nomeação naquele momento, já indicava uma rotina. Trata-se de um modus operandi onde o judiciário abandona o papel estrito de
garantidor legal para interferir, de forma hipertrofiada e sem contra-pesos
eficientes, no sistema político. Não é exagero afirmar que o judiciário é hoje
uma das maiores fontes de instabilidade do sistema. Em um estado de direito
deficitário a atuação espetacular do judiciário nos leva para qualquer lugar.
Menos para uma República.
* Texto publicado em 13 de janeiro de 2018 no jornal Folha da Manhã de Campos dos Goytacazes, RJ.
**Professor de Ciência Política no
Departamento de Ciências Sociais da UFF/Campos dos Goytacazes
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