1 Berto
Gessinger*
“Não quero te vender o meu ponto de vista”. “Não foi assim
que eu sonhei a nossa vida”. “Envelheci dez anos ou mais nesse último mês”. “Falta
pão, o pão nosso de cada dia. Sobra pão, o pão que o diabo amassou”. “Tantas
pessoas paradas na esquina, fingindo pena. Criança pequena cheirando cola,
beijando a sola dos sapatos”. “Hoje o céu está pesado, vem chegando temporal.
Nuvens negras do passado, delirante flor do mal”. “Já não há mais diferença
entre a raiva e a razão”. “Se eu pudesse, ao menos te contar o que se enxerga
lá do alto”. “Não vejo nada (o que eu vejo não me agrada)”. “Na vitória do mais
forte, na derrota dos iguais. A violência travestida faz seu trottoir”. “Forças
ocultas tomam de assalto ouvintes incautos”. “Afinal de contas, o que nos
trouxe até aqui? Medo ou coragem?”. “O medo nos leva a tudo, sobretudo à
fantasia”. “A propaganda é a arma do negócio”. “O fogo ilumina muito, por muito
pouco tempo”. “E o fascismo é fascinante e deixa gente ignorante fascinada”. “Como
um barco perde o rumo, como uma árvore no outono perde a cor”. “Nau à deriva”. “O
que não dá pra evitar e não se pode escolher”. “Todo mundo é moderno como um
relógio antigo”. “Cabeça pra usar boné e professar a fé de quem patrocina”. “Me
espanta é que tanta gente sinta (se é que sente) a mesma indiferença”. “Pois
nada faz sentido”. “Nossa cidade é muito grande e tão pequena, tão distante do
horizonte do país”. “Aonde leva essa loucura? Qual é a lógica do sistema?”. “Há
mais de mil destinos em cada esquina”. “O preço que se paga às vezes é alto
demais”. “Cantava viva à liberdade”, “E eu começo a achar normal que algum
boçal atire bombas na embaixada”. “Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de
algum trem que não passa por aqui, que não passa de ilusão “. “Peixe fora
d`água, borboletas no aquário”. “Na falta de algo melhor, nunca me faltou
coragem”. “Estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar”. “Tudo
se divide, todos se separam”. “Não tenho medo de perder a guerra, pois no fim
da guerra todos perdem”. “Eu só tô começando e já cheguei ao fim”. – Há
artistas que já disseram tanto que nem precisam mais se pronunciar.
Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.
* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 27 de Outubro de 2018
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