quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

1 Berto Gessinger


1 Berto Gessinger*

“Não quero te vender o meu ponto de vista”. “Não foi assim que eu sonhei a nossa vida”. “Envelheci dez anos ou mais nesse último mês”. “Falta pão, o pão nosso de cada dia. Sobra pão, o pão que o diabo amassou”. “Tantas pessoas paradas na esquina, fingindo pena. Criança pequena cheirando cola, beijando a sola dos sapatos”. “Hoje o céu está pesado, vem chegando temporal. Nuvens negras do passado, delirante flor do mal”. “Já não há mais diferença entre a raiva e a razão”. “Se eu pudesse, ao menos te contar o que se enxerga lá do alto”. “Não vejo nada (o que eu vejo não me agrada)”. “Na vitória do mais forte, na derrota dos iguais. A violência travestida faz seu trottoir”. “Forças ocultas tomam de assalto ouvintes incautos”. “Afinal de contas, o que nos trouxe até aqui? Medo ou coragem?”. “O medo nos leva a tudo, sobretudo à fantasia”. “A propaganda é a arma do negócio”. “O fogo ilumina muito, por muito pouco tempo”. “E o fascismo é fascinante e deixa gente ignorante fascinada”. “Como um barco perde o rumo, como uma árvore no outono perde a cor”. “Nau à deriva”. “O que não dá pra evitar e não se pode escolher”. “Todo mundo é moderno como um relógio antigo”. “Cabeça pra usar boné e professar a fé de quem patrocina”. “Me espanta é que tanta gente sinta (se é que sente) a mesma indiferença”. “Pois nada faz sentido”. “Nossa cidade é muito grande e tão pequena, tão distante do horizonte do país”. “Aonde leva essa loucura? Qual é a lógica do sistema?”. “Há mais de mil destinos em cada esquina”. “O preço que se paga às vezes é alto demais”. “Cantava viva à liberdade”, “E eu começo a achar normal que algum boçal atire bombas na embaixada”. “Eu me sinto um estrangeiro, passageiro de algum trem que não passa por aqui, que não passa de ilusão “. “Peixe fora d`água, borboletas no aquário”. “Na falta de algo melhor, nunca me faltou coragem”. “Estamos sós e nenhum de nós sabe exatamente onde vai parar”. “Tudo se divide, todos se separam”. “Não tenho medo de perder a guerra, pois no fim da guerra todos perdem”. “Eu só tô começando e já cheguei ao fim”. – Há artistas que já disseram tanto que nem precisam mais se pronunciar.

Carlos Valpassos
Antropólogo – Universidade Federal Fluminense.

* Texto publicado no jornal Folha da Manhã em 27 de Outubro de 2018

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