terça-feira, 28 de julho de 2020

A encruzilhada imposta pelo bolsonarismo


A encruzilhada imposta pelo bolsonarismo[1]


Rodrigo Monteiro[2]


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Em novembro de 2018, ao término das eleições, já não era possível falar, como Dumbledore, em Harry Potter, que ‘tempos difíceis se aproximam’. Já estávamos nele desde 2015, 2016. Os céus só ficaram mais sombrios, dominados por comensais da morte, dementadores e com o país sendo ‘governado’ por “You Know Who”, ou “Aquele que não se deve dizer o nome”.


Sua eleição não é um fenômeno isolado nem simples, mas representou, entre outras, a ascensão de uma parcela da sociedade brasileira que sempre existiu e circulou entre nós e que foi duramente combatida até que se tornasse vitoriosa nesse tão distante ano de 2018.


A vitoriosa expressão máxima do “bandido bom é bandido morto”, “tá com pena, leva para casa”, “direitos humanos para humanos direitos” tinha, enfim, seu apogeu. Tolos e tolas acreditaram que o desprezo pela vida que “You Know Who” expressava ficaria contida aos pretos e pretas, aos pobres das periferias brasileiras, aos que não estavam na sua caixinha.


 Surpresos(?) descobriram e seguiram junto com seu inominável afirmando que ‘vai morrer quem tem que morrer’. O sentido da artilharia do mestre do terror não estava mais restrito aos de pele escura, ao público LGBTQ+ e tantos outros destinos de seu ódio e de seu projeto político de extermínio. O alvo agora se tornou difuso com os ‘que têm que morrer’. O alvo é universal, até que seja seu pai, sua mãe, seu filho, sua filha, seu tio, sua tia, ou mesmo você. Mas, como já disse Celso Rocha de Barros: ‘morto não vota’.


O projeto está claro e está em curso. A cada dia se torna mais insegura uma simples ida ao supermercado. A cada dia mais e mais pessoas estão portando um vírus ainda sem vacina, ainda sem curas farmacológicas, mas que poderia ser controlado, se o país adotasse, com razoabilidade, padrões e procedimentos que boa parte do mundo onde o genocídio não é a política pública em curso, acabaram por adotar e retornar com mais confiança às suas rotinas.


Ainda que de difícil detecção, sabe-se que um programa básico pode ser feito para controlar a disseminação da doença, reduzir mortes e fazer com que as atividades econômicas e sociais possam regressar com população mais segura para sentar em um bar ao fim da tarde para um chopp, um café, ou uma simples e essencial “conversa fora”.


Amigos e amigas podem ser portadores de algo que pode matar. “E daí?”. “Vai morrer quem tem que morrer”.


Nesse ritmo, turismo doméstico e internacional seguem comprometidos, bem como atividades educacionais, de lazer, cultura, entretenimento, enfim, toda a economia terá desempenhos débeis. Mas vai ‘morrer quem tem que morrer’. ‘E daí?’.


Negacionistas, bolsonaristas, dementadores e comensais da morte se espalham pelas cidades e junto com eles, vão um pequeno ser, tendo seu trabalho facilitado, espalhando doença, morte, medo, insegurança.


Nessa toada, estamos todos, e os ainda confinados, em uma profunda encruzilhada: resistir no distanciamento social às custas de saúde física e mental, ou correr riscos de entrar em um cômodo escuro com ratoeiras que podem custar vidas, saúde e planos futuros.


Aqueles que precisam da rua para o trabalho seguem expostos em cidades onde o vírus segue solto, fazendo seu trabalho e tendo parceiros raros de se ver pelo planeta.


O bolsonarismo e o negacionismo não são para amadores, colocam a todos sob risco de adoecer ou morrer, de fazer adoecer e de fazer morrer.


Nossa sociedade está oferecendo a resposta mais desumana, mais anti-sociedade que um coletivo humano pode oferecer a si mesmo: a morte de seus vulneráveis a um 'inimigo invisível'. O projeto de negação da sociedade se instala. Banalizamos e naturalizamos que três boeings 747 caiam por dia sob nossas cabeças.


Não há limites para o bolsonarismo e o negacionismo.


Ou há?





[1] Texto republicado com a autorização do autor. A publicação original pode ser conferida em: https://www.facebook.com/rodrigo.monteiro.5015/posts/10220839669214453, acesso em 28/07/2020.


[2] Dr. pelo Instituto de Medicina Social, UERJ. Professor adjunto do Departamento de Ciências Sociais da UFF-Campos, RJ e do PPGSP/IUPERJ. É autor, dentre outras produções, de “Torcer, lutar, ao inimigo massacrar: Raça Rubro Negra”, publicado pela editora da Fundação Getúlio Vargas.


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