Raul Seixas in: "Pastor João e a Igreja Invisível". Fonte: YouTube.
Presbiterianos e
batistas: a face ordinária do cristofascismo brasileiro
Fábio Py
A
posse do pastor presbiteriano Milton
Ribeiro como Ministro da Educação – 16/07/2020 - coloca em evidência a
atuação e a força dos protestantes tradicionais no Governo Bolsonaro. Se a ação
dos pentecostais ligados à prosperidade-empresarial, tal como Macedo e
Malafaia, é ruidosa e sempre foi notória, os protestantes tradicionais, tais
como os batistas e presbiterianos, tiveram sua força amplificada com o advento
da pandemia. Os movimentos do governo indicam que aos protestantes tradicionais
cabe a parte “mais intelectualizada” da gestão, tendendo a assumir o setor
“jurídico-educacional”, áreas mais teóricas e técnicas. O perfil pragmático e
comum dos protestantes a assumirem o governo demonstra que a adesão a um
projeto autoritário e genocida como o de Bolsonaro pode ter uma face banal,
como a do religioso vizinho do lado.
Os
protestantes tradicionais estão assumindo as áreas mais técnicas porque, entre
os evangélicos, são os que têm um largo histórico de formação educacional.
Basta lembrar a trajetória já centenária de seus colégios e seminários
teológicos no país. Estrategicamente,
esses colégios confessionais ajudaram na formação das classes médias urbanas
das grandes metrópoles brasileiras. Cito o exemplo do Colégio Batista Sheppard,
anexo do Seminário Teológico Batista do Sul do Brasil, na área nobre da Tijuca,
zona norte do Rio de Janeiro. Portanto, se é evidente que os evangélicos são
parte fundamental do governo Bolsonaro, sua fração mais ligada ao ethos das camadas médias tomou a frente
da operacionalização “ideológica” do estado cerceador cristofascista. Na
pandemia, esse arranjo de forças ficou mais evidente.
Presbiterianos e batistas no
jurídico-educacional cristofascista pandêmico
A
tomada de posição do governo em direção aos presbiterianos e batistas não pode
ser compreendida como ocasional. Está relacionada com a força e a importância
da Frente Parlamentar Evangélica, junto ao núcleo duro do governo. Diferentes
dos líderes pentecostais ligados à teologia da prosperidade, esses protestantes
têm perfis mais discretos. Representantes exemplares da concepção tradicional
de família, facilmente passam despercebidos da grande maioria da população
brasileira.
Também
não pode ser desprezado que presbiterianos e batistas já ocupem a liderança do
governo Bolsonaro, como, por exemplo, a própria ministra da Mulher, Família e
dos Direitos Humanos, Damares Alves, que é pastora da Igreja Batista da
Lagoinha. Contudo, a novidade é a tomada de poder dos protestantes tradicionais
na área mais “ideológica” da gestão Bolsonaro.
O
primeiro nome do protestantismo tradicional a exercer função técnica destacada
foi o atual presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), Benedito Guimarães Aguiar Neto. Na presidência dessa
fundação, Aguiar Neto se tornou responsável pelas bolsas de estudos do governo
de graduação e pós-graduação e pela avaliação dos programas de pós-graduação do
país. Engenheiro, ligado à Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB) e ex-reitor da
Universidade Mackenzie (de confissão presbiteriana), Benedito Guimaraes marcou
sua trajetória como reitor pela
assinatura de convênio entre a Mackenzie e o Discovery Institute, instituto
responsável pela promoção do Desgin Inteligente nos EUA e no mundo. Apesar do
pomposo e moderno nome em inglês, Design Inteligente (DI) nada mais é que uma
variação pretensamente científica do criacionismo.
Pelo
convênio, a Universidade promoveu eventos sobre o tema do DI, chegando a trazer
ao país a referência mundial da teoria, o bioquímico Michael Bene (aqui) . Também foi publicado pela editora da
Mackenzie o livro clássico sobre o DI, intitulado “A caixa preta de Darwin”. Os esforços na difusão da concepção
criacionista da Mackenzie são amplos. A Universidade tem um Centro de “Ciência,
fé e sociedade”, donde consolida a ideia do DI. O próprio Benedito chegou a
reforçar essa expressão do criacionismo como uma possibilidade a ser incluída
no programa pedagógico da educação básica (aqui). O que de fato assusta a comunidade
científica, quando se tem o gestor de um órgão tão importante como a CAPES ser
signatário de uma tendência pouco científica.
Após
Benedito, o segundo protestante tradicional a obter um cargo de destaque no Governo
Bolsanaro foi outro pastor presbiteriano, André Luís Mendonça, que assumiu o
lugar do ex-juiz Sergio Moro no Ministério da Justiça e da Segurança Pública.
Como terrivelmente evangélico, André
Luís é pastor-assistente voluntário da Igreja Presbiteriana do Brasil (IPB),
com doutorado na Universidade de Salamanca em Direito. Em sua solenidade de posse
do cargo, no dia 29 de abril (aqui), já no contexto pandêmico, o pastor
chegou a dizer publicamente que as “gerações
de brasileiras não sabem o que é viver um estado de segurança pública”.
Sem
qualquer crítica mais sistêmica, afirmou literalmente que “será um fiel missionário” do governo. É interessante que o pastor
André é descrito pelos colegas como pai zeloso, uma pessoa afável e educada,
além de ser muito competente nos elementos da Ciência Jurídica, os mesmos
qualitativos atribuídos ao diretor da Capes. Contudo, assume voltar-se contra a
corrupção, mas, sobretudo, a questão da segurança pública, dita tão falha no país
nos últimos anos. Logo, será um “missionário” de Bolsonaro nessa direção da
reafirmação do estado policial.
Além
das posses de Benedito de Aguiar e de André Luis Mendonça, o fortalecimento dos
evangélicos tradicionais teve como marco a ascensão do pastor Milton Ribeiro
como Ministro da Educação. Antes de ser empossado como ministro em nove de
julho, Ribeiro estava há 28 anos à frente da Igreja Presbiteriana Jardim da
Oração, em Santos. Na igreja que congregava, Ribeiro é descrito como pessoa
“acolhedora, tranquila e conversadora”. A comunidade religiosa chegou a se
posicionar no apoio ao novo projeto do antigo pastor, destacando seu trabalho em
prol família (aqui).
O
pastor Milton também atuou em várias instâncias da Universidade Presbiteriana
Mackenzie. Em sua tese de doutorado na USP, que não está aberta ao público,
intitulada “Calvinismo no Brasil e organização: o poder estruturador da
educação”, defende o pioneirismo das instituições protestantes no Brasil na
constituição da liberdade e da democracia. Destaca que as instituições
protestantes “deveriam ser parâmetros para a formação do país”. O trabalho é
uma exaltação à educação presbiteriana no país, esquecendo, porém, de avaliar o
caráter elitista do projeto de educação protestante no Brasil, como nos lembram
os pesquisadores Antônio Gouveia e Mendonça e Procoro Velasques Filho no
clássico “Introdução ao protestantismo brasileiro”.
Batista no CNE
Além
de Milton Ribeiro, a Educação brasileira ganhou a adesão de um outro religioso,
o batista Valsenir Braga, que assumiu no último dia 10 de julho o Conselho
Nacional de Educação (CNE). No currículo de Braga, uma longa trajetória como
gestor da Rede Batista de Educação em Minas Gerais, uma rede de colégios com 13
unidades. O novo conselheiro tem formação em Engenharia e Administração de Empresas (aqui) e é diretor da Associação Comercial de Minas - ACMinas e do
Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais SINEP-MG.
Na direção do Colégio Batista Mineiro,
Valsenir Braga se destacou na implementação
do ensino de Inglês para crianças a partir de três anos de idade pelo programa
Batista Bilíngue, também se empenhou no ensino de Robótica, numa clara demonstração
da preocupação quanto à “educação
tecnológica” (aqui). Além do conhecido empenho na gestão,
Valsenir Braga é descrito em suas redes sociais como pessoa simples, de bom
trato e de fortes laços familiares. Agora, sua característica de defesa da
educação tecnológica interessa às pautas do governo Bolsonaro.
A banalidade do mal e os protestantes
tradicionais no governo Bolsonaro
As trajetórias dos discretos
protestantes tradicionais, que vem assumindo os cargos mais “ideológicos” do
governo assinalam um caminho já acenado pelo próprio presidente, após tantos
problemas políticos nos ministérios.
Contudo,
o perfil mais pragmático desses protestantes parece indicar um movimento mais
assustador. A ação desses religiosos mais discretos, presbiterianos e batistas,
remete à expressão “banalidade do mal” que se fixa nos país mediante o governo
genocida de Bolsonaro. As ações desses discretos religiosos remontam ao mal que
as pessoas comuns podem praticar nos contextos autoritários, quando deixam de
refletir criticamente. Nesse processo, afirmam o governo baseado em concepções
que levam à tentativa de tirar a humanidade do “outro indesejável”, fomentando nas
pessoas mais comuns a incapacidade de compaixão pelo próximo.
Isso
que a filósofa Hannah Arendt indica quando analisa julgamento, em Israel, de
Adolfo Eichmann, o burocrata nazista responsável pela gestão do campo de
concentração. Mesmo sendo pessoas discretas, os religiosos batistas e
presbiterianos agem tal como os burocratas que aderiram à máquina nazifascista,
ao aderir ao projeto bolsonorista. Mas mostram que crentes comuns ao frequentarem
as igrejas, preocupados com a rotina religiosa de orar, jejuar, cuidar dos
filhos e filhas, zelar pela segurança da família, são partes do maquinário
estatal autoritário de Bolsonaro.
Por
seus perfis pragmáticos e discretos, tais religiosos foram escolhidos a dedo
pelo bolsonarismo, com aval da Bancada Evangélica, justamente para operar
tecnicamente a área “ideológica” da política autoritária e de morte da atual
gestão federal do país. Além do perfil pragmático, competente, cada um, ao seu
modo, preenche as lacunas do bolsonarismo, como o aceite a tendências
anti-científicas, a construção de um estado policial, a ênfase educacional nas
camadas superiores e o destaque na educação tecnológica. Portanto, pode-se
dizer que o grande escândalo não está na postura irascível ou histriônica
desses religiosos, mas, ao contrário, são cristãos comuns que participam de
comunidades absolutamente piedosas e que, em nome da posição e do cargo, optam
em abrir mão da reflexão crítica associando-se ao genocídio que hoje
assistimos.
Bibliografia:
ARENDT,
Hannah. Eichmann em Jerusalém. Um relato sobre a banalidade do mal. São Paulo:
Companhia das Letras, 2001.
MENDONÇA,
Antônio Gouveia & VELASQUES, Procoro. Introdução ao protestantismo no
Brasil. São Paulo: Loyola, 1990.
PY,
Fábio. Pandemia cristofascista. São Paulo: Recriar, 2020.
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